quarta-feira, 28 de outubro de 2020

JOSÉ BRASILEIRO VILANOVA E A LITERATURA NO BRASIL COLONIAL (II) - Manoel Neto Teixeira


 

 






As produções literárias do Brasil colonial, ao longo do século XVII, são ainda um prolongamento da literatura de Portugal, segundo relata o professor e escritor José Brasileiro Vilanova, na sua obra A Literatura no Brasil Colonial, editora da UFPE, edição 1977. Os autores dessa época, mesmo os já nascidos no Brasil, tiveram sua formação intelectual na terra de Camões, recebendo lá toda a influência quanto a estilo – o barroco predominava, à época.

            “O estilo barroco primava pela sutileza dos conceitos, rebuscamento da forma, jogo de palavras, trocadilhos e abundância de figuras em que sobressaem as antíteses, os paradoxos, as hipérboles, as metáforas, as anástrofes, os hipérbatos”, assegura a mesma fonte.

            Os gêneros literários preferidos, nessa época, foram a historiografia, a oratória sacra, a poesia lírica e satírica, expressando e refletindo as influências das condições sociais, políticas, religiosas e antropológicas do Brasil Colônia.

            Conquistada e povoada a terra, era necessário defende-la contra a ambição de outros povos. Suas riquezas e possibilidades comerciais começavam já a despertar a cobiça de outros povos conquistadores, a exemplo dos holandeses, que chegaram aqui fortemente armados e deliberados para a conquista dessas novas e promissoras terras brasílicas. Tanto que invadiram e se apossaram de Pernambuco e da Bahia, enquanto os franceses, do Maranhão.

            Essas e outras circunstâncias repercutiriam nas produções literárias da época. “Os habitantes da Colônia, ainda que integrados na terra ou interessados nos seus recursos materiais, nem sempre viviam em perfeita harmonia. Não só os brasileiros não se conformavam com as atitudes aristocráticas dos portugueses, como ainda os brancos não perdiam o desejo, mais de uma vez manifestado, de escravizar os índios. Daí as circunstâncias, os conflitos, as rivalidades que justificam e explicam as formas literárias adotadas”.

            ORATÓRIA SACRA

            A oratória sacra foi um dos gêneros literários que alcançariam patamares de destaque, tendo no padre-filósofo Antônio Vieira a sua expressão maior, com uma produção que extrapola os limites do religioso, propriamente, para alcançar dimensão nos campos da literatura e da filosofia. Os Sermões ficariam como a culminância da sua obra de orador sacro.

              Os escritores da época utilizaram o sarcasmo para combater e ridicularizar as pretensões aristocráticas do português, daí a inspiração da poesia satírica; a qualidade e beleza dos produtos da terra, os costumes dos nativos com a expressão de sua cultura.

            Quase que paralelamente à literatura dos jesuítas, foi produzida no Brasil Colônia uma literatura informativa, através dos viajantes, onde se incluem também os autores portugueses. Entre os viajantes, o primeiro a descrever suas viagens e observações foi Hans Staden, que se tornara prisioneiro dos índios tupinambás durante nove meses. Seu livro – História Verídica e Descrição de Um País de Selvagens, alcançaria repercussão além fronteiras.

            Outro destaque vai para o padre Cardim, com a obra Do Clima e da Terra do Brasil, na qual trata da fauna, da flora e das condições climáticas locais e a outra sob o título Do Princípio e Origem dos Índios do Brasil, básica para estudos e compreensão etnográfica das tribos brasileiras. Obras que se tornariam clássicas e que foram reunidas, tempos depois, 1925, sob o título geral de “Tratados da Terra e Gente do Brasil”.

            LIRISMO

            Coube ao baiano Manuel Botelho de Oliveira iniciar a produção lírica na poesia da época, publicando seus versos logo a seguir, em 1705, sob o título A Musa do Parnaso. Ele estudou na Universidade de Coimbra, onde se bacharelou. Aí teve sua formação cultural e, possivelmente, sua preparação artística. O gosto pelo barroco adquiriu-o, decerto, durante os estudos universitários.

             “Essa publicação – acrescenta o professor José Brasileiro Vilanova – como o próprio título mostra, possui versos em português, castelhano, italiano e latim e está dividida em quatro coros. O primeiro coro, em rimas portuguesas, subdivide-se em duas partes: a primeira é dedicada a Anarda, provavelmente um nome convencional, e reúne sonetos, madrigais, décimas, redondilhas e romances; a outra contém assuntos diversos e compreende romances, sonetos, oitavas, canções, uma silva e um panegírico em trinta e quatro oitavas. O segundo coro é em rimas castelhanas e tem, igualmente, duas partes: a primeira é inspirada em Anarda e consta de sonetos, canções e romances. O terceiro coro, em rimas italianas, inclui apenas seis sonetos e sete madrigais. O quarto coro, em língua italiana, encerra seis epigramas, a elegia Tagi et Mondae, em forma dialogada, e alguns versos heroicos sobre o leão. Termina o volume com duas comédias em castelhano: - Hay amigo para amigo e Amor, enganos y zelos, que Xavier Marques considera “de enredo insignificante e arte rudimentar, evidenciando inexperiência no gênero”.

            Já a poesia satírica encontrou em Gregório de Matos o seu principal cultor. Nascido na Bahia, em 1633, estudou no início com os padres jesuítas e depois seguiu para Portugal, onde se doutorou em Direito pela Universidade de Coimbra. Desgostoso com a Corte, Gregório de Matos regressa para a Bahia onde o bispo D. Gaspar Barata o nomeou vigário-geral e tesoureiro-mor da Sé.

Temperamento insatisfeito, irrequieto, versátil, Gregório de Matos Guerra surge como o primeiro satírico nacional. Nasceu na Bahia, doutorou-se em Coimbra e advogou em Lisboa, onde chegou a ter fama, em 1681, aos 48 anos de idade.  

            Julgando-se superior ao meio em que vivia, não se conformava com o desprestígio e desconsideração a que não estava acostumado:

            Era eu em Portugal

            Sábio, discreto, entendido,

            Poeta melhor que alguns,

            Douto como os meus vizinhos.

            Desambientado e ao mesmo tempo revoltado, vivendo uma vida que não lhe permitia censurar os costumes da Colônia, encontrou no sarcasmo e na sátira um meio de vingar-se de tudo e de todos. Suas sátiras, ainda manuscritas, uma vez que não havia imprensa no Brasil, divulgaram-se rapidamente e lhe valeram, além do exílio em Angola, o apelido de “Boca do Inferno”. Irreverente, ferino, não poupou nenhuma classe. Foram vítimas de suas sátiras a nobreza, o Clero, o povo. Não distinguiu também entre brancos, pretos e mulatos. Todos tiveram de suportar o peso de sua virulência. Não poupou mesmo a própria terra natal:

            Terra tão grosseira e crassa,

            Que a ninguém se tem respeito,

            Salvo se mostra algum jeito,

                        De ser mulato.

Nem a Sé da Bahia:

            A nossa Sé da Bahia,

            Com ser um mapa de festas,

            É um presepe de bestas,

            Se não for estrebaria.

Nem o governador Câmara Coutinho:

            Nariz de embono

            Com tal sacada,

            Que entra na escada

            Duas horas primeiro que seu dono.

Ridicularizou os brancos que se atribuíam qualidades de fidalguia, satirizou a suposta nobreza indígena, criticou os brasileiros que viviam a trabalhar para os portugueses, insurgiu-se contra os mulatos pretensiosos. Sobre estes, disse que:

            Ser mulato

            Ter sangue de carrapato,

            Cheirar-lhe a roupa a mondongo

            É cifra de perfeição,

            Milagres do Brasil são.

            Por sua vez, os brasileiros

São bestas

E estão sempre a trabalhar

            Toda a vida por manter

            Maganos de Portugal.

Aos “enfidalgados do Brasil” retratou no seguinte soneto:

            Um calção de pimdoba a meia zorra;

            Camisa de urucu; mantéu de Arara;

            Em lugar de Cotó, Arco e Taquara;

            Penacho de Guaraz, em vez de Gorra.

 

            Furado o beiço, sem que morra

            O Pai, que lhe evazou com ua Titara:

            Sendo a Mãe a que a pedra lhe ecorra.

 

            Alarve sem razão, Bruto sem fé;

            Sem mais lei que a do gosto; e quando erra,

            De Fauno se tornou em Abaté.

 

            Não sei como acabou, nem em que guerra:

            Só sei como acabou, nem em que guerra:

            Só sei que deste Adão de Massapé,

            Os fidalgos procedem desta Terra.

            Seguem outros versos nessa mesma linha. As produções poéticas de Gregório de Matos permaneceram manuscritas durante muito tempo. Hoje em dia, por iniciativa da Academia Brasileira de Letras, estão reunidas em volumes, com a seguinte distribuição de matérias: Sacra (vol.I); Lírica (vol-II); Graciosa (vol-III); Satírica (vols. IV e V); e Última (vol.VI).

            No próximo ensaio (III) trataremos da literatura no Brasil Colônia (século XVIII).

             (Manoel Neto Teixeira, jornalista e biógrafo, autor, dentre outras, da obra “Garanhuns – Álbum do Novo Milênio (1811-2016). E-mail: polysneto@yahoo.com.br

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