sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Tudo e Nada - Deda Miranda


 






Tudo é nada, no mundo o nada é tudo

porque tudo do nada foi tirado,

e ao nada tudo é transformado,

quando um dia volverá ao nada tudo.

Poder e mando, tudo isso é nada

tristeza e dor, nada disso é tudo,

muita gente sem ser nada quer ser tudo

quando tudo neste mundo veio do nada.

Toda alegria se transforma em nada,

nada é a vida, e a morte é tudo

que nos resta, ou quase nada.

Nada de ilusões, quimera é tudo.

Lembra-te de tudo isso, não és nada,

e ao nada voltarás apesar de tudo.

O jornal

São 25 anos do jornal O Século. Impresso, com 16 páginas, como na última edição, de fevereiro desse ano desastroso. Circulando, incialmente em Garanhuns, PE, e chegando a diversas cidades do País. E com colaboradores ilustres, do Paraná principalmente, onde o mensário teve apoio e encaminhamentos do escritor José Alexandre Saraiva. A crise da Pandemia veio interromper, também, a edição nesses 8 meses. Agora, volta em forma de Blog, como é possível. Não se descarta, contudo, a retomada no próximo ano, de sua costumeira apresentação. E a direção deste veículo de cultura encarece a compreensão de todos afeiçoados participantes e leitores. Aos patrocinadores, o Muito Obrigado, de sempre.

A CIDADE CONDENA-ME: METADE! - ARRIETE RANGEL DE ABREU


 

  








Na sobra raiz, fendas 
desenham-me:
Expostos. os vincos revelam
dores - navalha na carne! 
Cicatrização, 
na metade em que; 
SOBREVIVI!

DEUS É VERDADEIRO POETA, EU SOU O VENTRÍLOQUO DA MUSA. - José Aparecido Fiori



 








Realmente, o realejo envelheceu, não caiu de moda, se cair, vira souvenir. Na condição de ventríloquo da musa, prosélito da prosa, procurador da poesia, sirvo-me deste espaço para mostrar o que eu toco na velha lira que soluça nas vielas dos versos, na alameda do poema, na sarjeta da boemia.

Tenho por mim que a poesia é a ciência consciente up to date da mitologia. Pelo viés da imaginação o poeta canta seus mitos, o cientista joga dados com Deus. O cientista fala por dogmas e paradigmas, o poeta desvela, desmistifica, autentica, homologa o mito. O cientista materializa o espírito. O poeta espiritualiza a matéria. O poeta é platônico. O cientista é aristotélico. O poeta é plástico. O cientista é granítico. O poeta finge tão completamente, que chega a fingir a dor que deveras sente. O cientista finge tão completamente, que esfinge frugalmente. O poeta aprofunda o mistério do mito. O cientista desmistifica o fato. O poeta irradia o ser. O cientista radiologiza o não-ser. O cientista analisa. O poeta psicanalisa. O poeta é holístico. O cientista é sintético. O poeta enxerga o Um na multiplicidade. O cientista enxerga a multiplicidade no Um. O cientista é amigo do Rei. O poeta é amigo de Deus.

Poesia é um combate que aos fracos abate. É luta que luto. É coisa de louco alienado em anacoluto.

Nicho inócuo absoluto de inutensílios úteis, inutilidades fúteis.

Trova popular, beijos de batom no guardanapo, cachaça no bar, arrotos de tripas gástricas, riscos gráficos, rabiscos coronariográficos, barbarismos orais bárbaros, diarreias boçais, vômitos anais, quinquilharias venais, versos, verborréias, prosas de vodkas da Vó Tivica, cantadas da Gilda, chorinho da Maria do Cavaquinho, bafos de onça do Esmaga. Escritos adornados de adereços de lambrequim, tudo isso, nada disso, banalidades, maldades, nulidades, bosta navegando na ubiquidade.


O Século está de volta – e de cara nova! - José Alexandre Saraiva

 









A última etapa das pesquisas para o meu livro De Labiata a Lagoa da Canoa, em 2016, foi marcada pela acolhida que tive em Garanhuns, a Cidade das Flores, também conhecida como Suíça Pernambucana. Permaneci 20 dias entre as Sete Colinas da terra de Simôa Gomes, Dominguinhos, Luís Jardim, Quinteto Violado e João Marques. Escritor, músico e poeta, João Marques é o autor do hino de Garanhuns e proprietário do jornal O Século, por ele fundado em 1995. Desde o nosso primeiro encontro, não deixamos mais de nos falar quase todos os dias, principalmente a partir de seu convite, em 2018, para ser o jornalista responsável pelo jornal.

Lamentavelmente, com a pandemia do novo coronavírus, O Século suspendeu sua edição impressa. Um golpe para todos nós! Mas isso não foi suficiente para abalar a determinação de, o quanto antes, fazer o jornal circular novamente. E com o mesmo conteúdo voltado à cultura, à sociedade e à saúde, em grande parte constituído de artigos assinados por colaboradores criteriosamente selecionados. Enquanto isso não acontece, e atendendo a inúmeros pedidos, esta semana O Século modernizou-se! Entrou no vasto e dinâmico mundo da internet, em forma de blog, cuja implantação contou com a abnegada colaboração da articulista cultural Jaqueline Salomé. É um retorno triunfal do jornal, porquanto demonstra que o seu proprietário, não obstante as dificuldades de retomada de antigos e novos patrocínios, em nenhum momento deixou de acreditar numa solução que, em breve espaço de tempo, conciliasse custo operacional e conteúdo afinado com as exigências de seu exigente universo de leitores.

Estou duplamente feliz. Primeiro, porque O Século está de volta – e de cara nova para versão digital! segundo, porque, simultaneamente, recebo de seu idealizador e proprietário a notícia de que seu primeiro romance, “euHerói”, atualmente no prelo, será lançamento no início de 2021. Trata-se de um romance memorialista fantástico, desenvolvido num cenário em que a imaginação buliçosa do autor navega entre fantasia e realidade para realçar entranhas da entidade humana. Destaco este excerto extraído do prefácio que tive a elevada honra de escrever sobre “euHerói”: 

“Valendo-se de magistral concepção narrativa, o escritor João Marques transmuda-se em uma Avenida para explorar conflitos existenciais, vicissitudes e contrastes entre vida pública e intimidade das personagens.  Nessa condição, ele é autor, narrador, protagonista e a própria Avenida, que, ora na horizontal, ora na vertical, assume papel de senhora absoluta dos recônditos entre existência e inexistência, compreendidos no espaço e no tempo. Onipresente, ora estendida no chão, ora em movimento, a Avenida tudo sente, ouve e vê, além de casas, vitrines, trens, mendigos, árvores, céus, vento e zumbis no Cemitério Morto”. 

quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Canto a Panelas - Biu Difulô


 







NOSSO SANGUE É CABANO

TEMOS NA VEIA MUITO ARDOR

NOSSOS PUNHOS ESPARTANOS

NUNCA TEMERAM O INVASOR

...


NOSSOS BRIOS DE GUERREIRO

QUE A HISTÓRIA JÁ PROVOU

JAMAIS SE VENDEM À TIRANIA - JAMAIS!

TÊM VIRTUDE E ESPLENDOR.

Aline Morena e os destaques das principais realizações.


 












Apresentação em duo com Hermeto Pascoal pelo Brasil e pelo mundo (Montevideo, Buenos Aires, Portugal, Itália, Brasília, Salvador, Chapada dos Guimarães, Quito, São Paulo, Rio, Caracas, Vitória, Punta Ballena...), sendo a última em Alter do Chão, no Pará, em 2015.

Apresentação com Hermeto Pascoal e a Big Band de Londres no Barbican, em Londres, por três vezes, além de outras apresentações com big band em Cheltenham, Norwich, Dublin, Rio de Janeiro, Campinas, Toulouse e Toronto.

Apresentações com Hermeto Pascoal e Grupo até julho de 2016, por todo o Brasil e pelo mundo, como New York, Chicago, Seattle, San Francisco, Los Angeles, Fort de France, Eilat (Israel), Joanesburgo,Austrália, Manaus, Fortaleza, Recife, Paranapiacaba, Goiânia, Guarulhos, Pelotas, Poa, Ouro Preto, ...

Espetáculo “O Amor em Música e Dança’, o Teatro Paiol, em Curitiba, em 2016.

Apresentação de “A História Musicada do Menino Sinhô Hermeto Pascoal” desde 2018, contando a história do Hermeto, através de instrumentos convencionais e não- convencionais, juntamente com o Palhaço Propício.

 Espetáculo “O Desconcerto Musical”, de música com palhaçaria, juntamente com o palhaço Propício, cuja estreia se deu em maio de 2019, no Auditório Brasílio Itiberê.

 PRÊMIOS RECEBIDOS E TÍTULOS

Primeiro lugar no concurso para cantores do Conservatório de MPB de Curitiba em 2002, quando realizou o show “Hermeto em Voz para Dançar”!

Artista revelação pelo blog do jornalista e produtor Arnaldo De Souteiro em 2007, pelo dvd “Chimarrão com Rapadura”.

Artista revelação pela Disk Union do Japão em 2014, pelo cd “Sensações”. t

Essa gigante da música, gaúcha vivendo em Curitiba, tornou-se recentemente colaboradora e participante deste jornal, graças a intermediação do escritor José Alexandre Saraiva. João Marques, titular e redator de O Século, manifesta grande alegria pela valorosa e honrosa aquisição.

ADÉLIA WOELLNER “Algumas Trovas”, do livro de poesia Caçador de Estrelas.


 






Quem espera sempre alcança...

mas eu em luta me ponho:

sou guerreira da esperança,

vivo em busca do meu sonho....


Na lucidez de um momento, 

surge esta verdade atroz:

pra viver o sofrimento 

nós estamos sempre sós.


Não resmungue, nem maldiga

que o trabalho é triste sina.

Seu agir sempre bendiga:

trabalho é benção divina.


Tenho no peito a alma solta, 

a voar pra onde quiser.

Mas ela é folha revolta 

que o vento leva onde quer.


A BESTA TRIUNFANTE X

 

      




         




         

         um prazer

       menos nocivo:

talvez fumar, talvez beber ?

        outro vício

 

   que não o amor

 e seus filhos diletos;

           a dor

 

       
         mais perto:

infarto talvez, talvez ressaca

 ao alcance de um remédio

 

qualquer. O que mata

 sem estender o mal

       até o tédio,

 

        nenhum

efeito colateral além

    do tempo médio

 

da vida comum

      de alguém.


CANTANDO NA CHUVA COM GENE KELLY - Por Altamir Pinheiro


 







Em se tratando de coreografia, a conhecida cena de Gene Kelly cantando na chuva de guarda-chuva em punho é uma referência musical, quando se trata da sétima arte. Atire a primeira pedra aquele ou aquela que nunca teve vontade de fazer isso, para extravasar todo um sentimento por estar feliz com a namorada ou de uma pessoa que expressa alegria ao seu lado. Toda aquela cena mágica sendo sapateada na chuva nos faz refletir “Os grandes momentos da vida podem estar nas pequenas coisas...”. Uma cena  do cinema clássico, quando Gene Kelly faz transparecer todo seu amor com um jogo de música, canto, dança e o bom e velho sapateado. A projeção cinematográfica do ano de 1952 representa um lirismo  animador, além da trama original, clima festivo, diálogos espirituosos e inteligentes. É um musical de    tirar o fôlego. Um filme imperdível, para ser visto e revisto.

Gene Kelly que faleceu em 1996, aos 83 anos de idade, além de ator foi diretor, produtor, cantor, dançarino  e um dos  maiores coreógrafos que o mundo das artes já conheceu. Em 1945 Gene recebeu sua primeira indicação ao Oscar de melhor ator, por seu papel em Marujos do Amor. Em 1951, uniu-se a Vincent Minelli para fazer Sinfonia de Paris, um filme “desenhado” nos mínimos detalhes, e que acabou levando 7 Oscars no ano. Gene ganhou um prêmio especial por sua versatilidade como ator, cantor e dançarino. Seu maior sucesso sem dúvida alguma é SINGIN IN THE RAIN (Cantando na Chuva de 1952), a história é baseada em   altas doses de comédia e romance. A imagem do cantor sapateando no meio da chuva é sem dúvida alguma uma das mais famosas da história do cinema. Na década de 90  ele  chegou a ser consultor de dança da cantora Madonna, em sua turnê Girl Show. 

Cantando na chuva é um marco secular cinematográfico pela época que foi produzido, haja vista que naquele período da narrativa do filme   foi inserido um importante momento da história do cinema: A CHEGADA DO SOM. Com a chegada do som,    todos na indústria do cinema precisam se adaptar à nova forma de fazer filmes, e nem mesmo os grandes astros terão vida fácil neste difícil momento de transição. Conforme nos conta o cinéfilo Roberto Siqueira, O roteiro do musical  aborda também outro tema interessante, a resistência das pessoas às novidades tecnológicas. O vídeo de exibição do cinema falado causa diversas reações. Alguns acham que o som vai estragar o cinema, outros que o som nunca vai vingar. É comum a rejeição às inovações técnicas no cinema, foi assim também com o filme colorido e  o conflito entre cinema e teatro.

O filme se passa em 1927, onde Hollywood passava pela transição do cinema mudo para o falado e na época Don Lockwood (Gene Kelly) e Lina Lamont (Jean Hage) eram o casal mais querido do cinema e tinham que se adaptar a esse novo tipo de cinema. Vendo o sucesso feito pela tecnologia do som no cinema, um grande estúdio de Hollywood decide fazer um filme que não seja mudo e, para isso, usa duas maiores estrelas, Don Lockwood e Lina Lamont. Para ajudá-los no trabalho, o estúdio contrata o músico Cosmo Brown, grande amigo de Don. Durante a passagem do cinema mudo para o sonoro, Don Lockwood (Kelly) se apaixona pela cantora Kathy Selden (Debbie Reynolds) escolhida para dublar a voz esganiçada da estrela Lina Lamont (Jean Hagen).

A Crítica de cinema Jornalista Claudia Farias, nos afirma através de suas análises que o  cinema serviu como forma de registro para o desempenho da dança e teve papel fundamental na sua preservação no século XX. O filme musical combinou formas americanas de balé (dança de salão, sapateado e bailado acrobático) com a ópera cômica e romântica. Historicamente, o musical nasceu com o cinema sonoro, em 1927, inaugurou ao mesmo tempo o cinema falado e o cinema cantado. Contudo, o filme musical se firmou nos Estados Unidos segundo o modelo dos espetáculos da Broadway, e teve o seu verdadeiro apogeu com Vincent Minelli, que trouxe para a grande tela a sua experiência no teatro musical. Além de Minelli, destacam-se os grandes criadores de musicais, como os diretores Busby Berkeley, Stanley Donen, os atores Fred Astaire e Gene Kelly.

Já o estudioso da Sétima Arte, Carlos Massari,  afirma que no seu entender acredita que raramente um único filme conseguiu ser tão emocionante e hilariante ao mesmo tempo como "Cantando na Chuva", um musical repleto de passagens antológicas e que marcaram a história do cinema. Hoje, infelizmente, esse gênero que deu tantas obras-primas à sétima arte está quase morto. Tudo o que podemos fazer é torcer para que um dia Hollywood volte a ter o bom senso de produzir filmes tão contagiantes como esses. Vivemos em uma época onde a maioria das obras vem rotuladas com "ação", "suspense" e sempre coisas parecidas. É impossível rotular os musicais dessa maneira, eles mesclam tudo, comédia, drama, romance, suspense, e todos os gêneros possíveis. É o cinema arte, que todos os fãs dos verdadeiros filmes lutam incansavelmente para tirar do túmulo.

Segundo observação do estudioso de filmes Roberto Siqueira, ele afirma e nos assegura que apesar do final previsível e do citado deslize no longo número musical da Broadway (“Broadway Rhythm Ballet”), “Cantando na Chuva” é bastante agradável e deixa o espectador com uma gostosa sensação de satisfação com o que viu. Além disso, a clássica cena que dá origem ao título já seria motivo suficiente para a apreciação do filme. Goste ou não de musicais, o espectador tem o privilégio de assistir um grande espetáculo e ainda entender melhor um momento importante da história do cinema. Pode ainda fazer uma última reflexão. Até mesmo nos dias mais chuvosos podemos encontrar a felicidade.

Cantando na Chuva  foi lançado nos Estados Unidos, no ano de 1952, e teve um enorme sucesso de público e bilheteria. Passando, com o tempo, a desfrutar do reconhecimento da crítica. Está em 10º lugar como um dos melhores filmes dos últimos 70 anos pelo American Filme Institute. Uma baita película cinematográfica!!! 

JOSÉ BRASILEIRO VILANOVA E A LITERATURA NO BRASIL COLONIAL (II) - Manoel Neto Teixeira


 

 






As produções literárias do Brasil colonial, ao longo do século XVII, são ainda um prolongamento da literatura de Portugal, segundo relata o professor e escritor José Brasileiro Vilanova, na sua obra A Literatura no Brasil Colonial, editora da UFPE, edição 1977. Os autores dessa época, mesmo os já nascidos no Brasil, tiveram sua formação intelectual na terra de Camões, recebendo lá toda a influência quanto a estilo – o barroco predominava, à época.

            “O estilo barroco primava pela sutileza dos conceitos, rebuscamento da forma, jogo de palavras, trocadilhos e abundância de figuras em que sobressaem as antíteses, os paradoxos, as hipérboles, as metáforas, as anástrofes, os hipérbatos”, assegura a mesma fonte.

            Os gêneros literários preferidos, nessa época, foram a historiografia, a oratória sacra, a poesia lírica e satírica, expressando e refletindo as influências das condições sociais, políticas, religiosas e antropológicas do Brasil Colônia.

            Conquistada e povoada a terra, era necessário defende-la contra a ambição de outros povos. Suas riquezas e possibilidades comerciais começavam já a despertar a cobiça de outros povos conquistadores, a exemplo dos holandeses, que chegaram aqui fortemente armados e deliberados para a conquista dessas novas e promissoras terras brasílicas. Tanto que invadiram e se apossaram de Pernambuco e da Bahia, enquanto os franceses, do Maranhão.

            Essas e outras circunstâncias repercutiriam nas produções literárias da época. “Os habitantes da Colônia, ainda que integrados na terra ou interessados nos seus recursos materiais, nem sempre viviam em perfeita harmonia. Não só os brasileiros não se conformavam com as atitudes aristocráticas dos portugueses, como ainda os brancos não perdiam o desejo, mais de uma vez manifestado, de escravizar os índios. Daí as circunstâncias, os conflitos, as rivalidades que justificam e explicam as formas literárias adotadas”.

            ORATÓRIA SACRA

            A oratória sacra foi um dos gêneros literários que alcançariam patamares de destaque, tendo no padre-filósofo Antônio Vieira a sua expressão maior, com uma produção que extrapola os limites do religioso, propriamente, para alcançar dimensão nos campos da literatura e da filosofia. Os Sermões ficariam como a culminância da sua obra de orador sacro.

              Os escritores da época utilizaram o sarcasmo para combater e ridicularizar as pretensões aristocráticas do português, daí a inspiração da poesia satírica; a qualidade e beleza dos produtos da terra, os costumes dos nativos com a expressão de sua cultura.

            Quase que paralelamente à literatura dos jesuítas, foi produzida no Brasil Colônia uma literatura informativa, através dos viajantes, onde se incluem também os autores portugueses. Entre os viajantes, o primeiro a descrever suas viagens e observações foi Hans Staden, que se tornara prisioneiro dos índios tupinambás durante nove meses. Seu livro – História Verídica e Descrição de Um País de Selvagens, alcançaria repercussão além fronteiras.

            Outro destaque vai para o padre Cardim, com a obra Do Clima e da Terra do Brasil, na qual trata da fauna, da flora e das condições climáticas locais e a outra sob o título Do Princípio e Origem dos Índios do Brasil, básica para estudos e compreensão etnográfica das tribos brasileiras. Obras que se tornariam clássicas e que foram reunidas, tempos depois, 1925, sob o título geral de “Tratados da Terra e Gente do Brasil”.

            LIRISMO

            Coube ao baiano Manuel Botelho de Oliveira iniciar a produção lírica na poesia da época, publicando seus versos logo a seguir, em 1705, sob o título A Musa do Parnaso. Ele estudou na Universidade de Coimbra, onde se bacharelou. Aí teve sua formação cultural e, possivelmente, sua preparação artística. O gosto pelo barroco adquiriu-o, decerto, durante os estudos universitários.

             “Essa publicação – acrescenta o professor José Brasileiro Vilanova – como o próprio título mostra, possui versos em português, castelhano, italiano e latim e está dividida em quatro coros. O primeiro coro, em rimas portuguesas, subdivide-se em duas partes: a primeira é dedicada a Anarda, provavelmente um nome convencional, e reúne sonetos, madrigais, décimas, redondilhas e romances; a outra contém assuntos diversos e compreende romances, sonetos, oitavas, canções, uma silva e um panegírico em trinta e quatro oitavas. O segundo coro é em rimas castelhanas e tem, igualmente, duas partes: a primeira é inspirada em Anarda e consta de sonetos, canções e romances. O terceiro coro, em rimas italianas, inclui apenas seis sonetos e sete madrigais. O quarto coro, em língua italiana, encerra seis epigramas, a elegia Tagi et Mondae, em forma dialogada, e alguns versos heroicos sobre o leão. Termina o volume com duas comédias em castelhano: - Hay amigo para amigo e Amor, enganos y zelos, que Xavier Marques considera “de enredo insignificante e arte rudimentar, evidenciando inexperiência no gênero”.

            Já a poesia satírica encontrou em Gregório de Matos o seu principal cultor. Nascido na Bahia, em 1633, estudou no início com os padres jesuítas e depois seguiu para Portugal, onde se doutorou em Direito pela Universidade de Coimbra. Desgostoso com a Corte, Gregório de Matos regressa para a Bahia onde o bispo D. Gaspar Barata o nomeou vigário-geral e tesoureiro-mor da Sé.

Temperamento insatisfeito, irrequieto, versátil, Gregório de Matos Guerra surge como o primeiro satírico nacional. Nasceu na Bahia, doutorou-se em Coimbra e advogou em Lisboa, onde chegou a ter fama, em 1681, aos 48 anos de idade.  

            Julgando-se superior ao meio em que vivia, não se conformava com o desprestígio e desconsideração a que não estava acostumado:

            Era eu em Portugal

            Sábio, discreto, entendido,

            Poeta melhor que alguns,

            Douto como os meus vizinhos.

            Desambientado e ao mesmo tempo revoltado, vivendo uma vida que não lhe permitia censurar os costumes da Colônia, encontrou no sarcasmo e na sátira um meio de vingar-se de tudo e de todos. Suas sátiras, ainda manuscritas, uma vez que não havia imprensa no Brasil, divulgaram-se rapidamente e lhe valeram, além do exílio em Angola, o apelido de “Boca do Inferno”. Irreverente, ferino, não poupou nenhuma classe. Foram vítimas de suas sátiras a nobreza, o Clero, o povo. Não distinguiu também entre brancos, pretos e mulatos. Todos tiveram de suportar o peso de sua virulência. Não poupou mesmo a própria terra natal:

            Terra tão grosseira e crassa,

            Que a ninguém se tem respeito,

            Salvo se mostra algum jeito,

                        De ser mulato.

Nem a Sé da Bahia:

            A nossa Sé da Bahia,

            Com ser um mapa de festas,

            É um presepe de bestas,

            Se não for estrebaria.

Nem o governador Câmara Coutinho:

            Nariz de embono

            Com tal sacada,

            Que entra na escada

            Duas horas primeiro que seu dono.

Ridicularizou os brancos que se atribuíam qualidades de fidalguia, satirizou a suposta nobreza indígena, criticou os brasileiros que viviam a trabalhar para os portugueses, insurgiu-se contra os mulatos pretensiosos. Sobre estes, disse que:

            Ser mulato

            Ter sangue de carrapato,

            Cheirar-lhe a roupa a mondongo

            É cifra de perfeição,

            Milagres do Brasil são.

            Por sua vez, os brasileiros

São bestas

E estão sempre a trabalhar

            Toda a vida por manter

            Maganos de Portugal.

Aos “enfidalgados do Brasil” retratou no seguinte soneto:

            Um calção de pimdoba a meia zorra;

            Camisa de urucu; mantéu de Arara;

            Em lugar de Cotó, Arco e Taquara;

            Penacho de Guaraz, em vez de Gorra.

 

            Furado o beiço, sem que morra

            O Pai, que lhe evazou com ua Titara:

            Sendo a Mãe a que a pedra lhe ecorra.

 

            Alarve sem razão, Bruto sem fé;

            Sem mais lei que a do gosto; e quando erra,

            De Fauno se tornou em Abaté.

 

            Não sei como acabou, nem em que guerra:

            Só sei como acabou, nem em que guerra:

            Só sei que deste Adão de Massapé,

            Os fidalgos procedem desta Terra.

            Seguem outros versos nessa mesma linha. As produções poéticas de Gregório de Matos permaneceram manuscritas durante muito tempo. Hoje em dia, por iniciativa da Academia Brasileira de Letras, estão reunidas em volumes, com a seguinte distribuição de matérias: Sacra (vol.I); Lírica (vol-II); Graciosa (vol-III); Satírica (vols. IV e V); e Última (vol.VI).

            No próximo ensaio (III) trataremos da literatura no Brasil Colônia (século XVIII).

             (Manoel Neto Teixeira, jornalista e biógrafo, autor, dentre outras, da obra “Garanhuns – Álbum do Novo Milênio (1811-2016). E-mail: polysneto@yahoo.com.br

terça-feira, 27 de outubro de 2020

Grandes Vultos - Salomé Silva


 


 




A morte do grande escritor Oscar Wilde, em 1900, logo após o fim do século XIX, foi a principal perda na passagem dos séculos. Na verdade, a sua morte se vinha efetivando com as perseguições que sofreu, por ser homossexual. Isso muito prejudicou o escritor, em seu livre desempenho. Entre várias obras em Literatura e Teatro, ficaram destacados o romance “O Retrato de Dorian Gray” e a peça “A Importância de ser Prudente”. As suas obras, depois, foram transformadas em filmes, inclusive, a sua vida. Lendo-se a sua história, não é difícil compreender que ele só pôde ficar verdadeiramente livre dos presídios, com a libertação e grandiosidade de sua vida de artista da expressão da arte.

 

Oscar Wilde

O mundo pode ser um palco, mas o elenco é um horror.

Nascido em 16 de outubro de 1854, em Dublin, o escritor irlandês Oscar Wilde é mais conhecido pelo romance “O Retrato de Dorian Gray” e pela peça “A Importância de ser Prudente”, assim como pela sua prisão por ser homossexual. Morreu no dia 30 de novembro de 1900, em Paris, na França. Oscar Fingal O'Flahertie Wills Wilde era filho de William Wilde, um médico consagrado por seu trabalho como conselheiro do censo irlandês. Mais tarde, ele fundou um hospital oftalmológico para tratar as pessoas carentes da cidade. A mãe de Oscar Wilde, Jane Francesca Elgee, foi uma poetisa associada à Rebelião da Juventude Irlandesa de 1848, uma linguista muito talentosa e bastante influente na escrita do filho. Wilde era uma criança muito estudiosa e adorava os estudos gregos e romanos, tendo recebido diversos prêmios na escola. Após sua formatura, em 1871, ele recebeu uma bolsa de estudos para estudar na Trinity College, em Dublin. No fim do seu primeiro ano na universidade, recebeu uma bolsa de estudos que era a maior honra concedida aos graduandos. Ao término da universidade, em 1874, ele recebeu uma medalha como o melhor estudante de grego da Trinity, além de uma bolsa para estudar na Magdalen College, em Oxford, onde também se graduou com honras.

Mudança para Londres

Não há livros morais nem imorais. O que há são livros bem escritos ou mal escritos.

Depois de se formar, Wilde se mudou para Londres para morar com seu amigo Frank Miles, um pintor de retratos famoso da alta sociedade. Lá, concentrou-se na produção de poesias, publicando sua primeira coleção, “Poems”, em 1881, que recebeu poucas críticas elogiosas, mas o estabeleceu como um escritor promissor. No ano seguinte, foi para Nova York para realizar uma série de palestras. Ele aproveitou a viagem para conhecer algumas personalidades do meio literário, como Henry Longfellow, Oliver Wendell Holmes e Walt Whitman, o qual admirava especialmente.

Ao voltar para casa, Wilde iniciou um novo circuito de palestras na Inglaterra e na Irlanda, que durou até 1884. Nessas palestras e também em suas poesias, ele se estabeleceu como o líder do Movimento Estético, uma teoria de arte e literatura que enfatizava a busca da beleza pela beleza e não para promover um ponto de vista político ou social.

A única maneira de nos livrarmos de uma tentação é cedermos a ela.

Em maio de 1884, ele se casou com uma inglesa rica chamada Constance Lloyd, com quem teve dois filhos: Cyril e Vyvyan. Um ano após o casamento, Wilde foi contratado para gerenciar a revista popular “Lady’s World”, que estava ficando fora de moda. Após dois anos, ele revitalizou a publicação, que agora tratava “não só meramente sobre o que as mulheres vestem, mas sobre o que elas pensam”, escreveu Wilde.

Obras aclamadas

Hoje em dia conhecemos o preço de tudo e o valor de nada.

A partir de 1888, ainda na revista, Wilde entrou em um período de sete anos de criatividade feroz, em que produziu quase todas as suas obras literárias. No primeiro ano, publicou “O Príncipe Feliz”, uma coleção de histórias infantis. Em 1891, publicou “Intentions”, abordando o Movimento Estético, e no mesmo ano, seu primeiro e único romance, “O Retrato de Dorian Gray”. Trata-se de uma história ou fábula sobre um belo jovem, Dorian Gray, que deseja que o seu retrato envelheça, enquanto ele permanece jovem e levando uma vida de prazeres. Apesar de hoje o romance ser uma obra-prima, na época foi atacado por conta da aparente falta de moralidade.

A primeira peça de Wilde, “O Leque de Lady Windermere”, que estreou em 1892, foi aclamada pelo público e crítica, o que impulsionou Wilde a adotar a dramaturgia como sua forma literária primária. Nos anos seguintes, ele escreveu muitas peças, incluindo a sua mais famosa, “A Importância de ser Prudente”, (do original The Importante of Being Earnest, mas há outras traduções para o português como a Importância de ser Ernesto e a Importância de ser Honesto).

A importância de ser sincero

A verdade é que esta é apenas mais uma das notas dissonantes na biografia de Oscar Wilde, um dramaturgo brilhante que viu sua vida desmoronar por sua orientação sexual, em um momento em que a homossexualidade era considerada uma doença mental.

Durante o julgamento e a condenação de Wilde, os meios de comunicação ampliaram as notícias, que acabaram se espalhando para os Estados Unidos. O que Oscar Wilde nunca soube foi que sua prisão foi o começo de um processo muito lento que terminaria com a descriminalização da homossexualidade como um crime. Oscar Wilde é considerado uma vítima icônica do puritanismo vitoriano hipócrita do século XIX.

Um autor brilhante cuja vida, infelizmente, não foi tanto. Depois de uma vida marcada pelas letras e seu talento, se viu condenado ao exílio e às dificuldades.

Seu legado ainda permanece muito vivo, algumas de suas obras foram transferidas para o cinema e há até filmes sobre ele. Wilde é uma das muitas histórias trágicas em que a homossexualidade, infelizmente, foi condenada. Uma história que nos ajuda a refletir, a perceber que ainda há muito a ser feito.

 Vida pessoal e prisão

O velho acredita em tudo; o homem maduro duvida de tudo e o jovem sabe tudo.

Na mesma época em que experimentava o sucesso literário, Wilde começou um caso com o jovem lorde Alfred Douglas. O pai dele, Marquês de Queensberry, ao saber do romance, escreveu um bilhete a Wilde em que o acusava de sodomia. Wilde o processou, e a decisão do júri arruinou sua vida: ele foi condenado a dois anos de prisão em 25 de maio de 1895.

Quando saiu da prisão, em 1897, Wilde estava fisicamente abatido, emocionalmente exausto e falido. Ele foi para o exílio na França, onde brevemente reatou com Douglas. Ele escreveu muito pouco nesses últimos dias e seu único trabalho memorável da época é um poema sobre seu tempo na prisão, chamado “Balada do Cárcere de Reading”. Ainda na prisão, escreveu De Profundis, uma longa carta a Douglas.

Morte e legado

Devemos ser modestos e lembrar-nos de que os outros são inferiores a nós.

Wilde morreu de meningite em 30 de novembro de 1900, aos 46 anos. Mais de um séulo após sua morte, ele ainda é mais lembrado pela sua vida pessoal que por sua literatura. Todavia, suas obras, em particular o romance “O Retrato de Dorian Gray” e a peça “A Importância de ser Prudente” estão entre as grandes obras-primas literárias do fim do período Vitoriano.

 


E EU TAMBÉM NÃO SEI - Alexandre Saraiva


 

    








Deu-se assim:

O arredio casal de rolinhas chegou e pôs-se a bisbilhotar o velho ninho esquecido no topo do ipê. Pequenos reparos já seriam suficientes para seus propósitos. E assim aconteceu! Em poucas horas, mexe aqui, remexe acolá, um gravetinho novo pra cá, outro gravetinho pra lá, e pronto! Posse assegurada, levantaram voo e foram comemorar nos arredores. No dia seguinte, lá estavam eles se revezando para chocar os ovinhos. Eram dois, provavelmente.

Tudo corria bem até o quinto dia. 

Da sacada da casa, a uns quatro metros de distância, estranhei que apenas um dos cônjuges, por certo a mãe, se doava ao ofício lento e paciente do choco. Nada a fazia bater asas dali – nem o vento, nem a chuva, nem o sol, nem a escuridão, menos ainda os galanteadores de ocasião. Lá pelo décimo primeiro dia, veio à luz um filhote. A reprodução parou nele. Creio que um misto inexplicável de maternidade e instinto de sobrevivência deu destino imprevisto ao outro ovinho. 

Infortúnio à parte, a mãe agora podia sair para se alimentar e trazer o sustento do único rebento. Todavia, a ausência de outra boca faminta para saciar  resultou na pior das atenções: excesso de mimos. O pequenino viciou-se na fartura e no conforto. Sim, acompanhei tudo, da incubação à adolescência dele – coisa que só essa quarentena forçada poderia me proporcionar. 

Aí pelo décimo quinto dia de vida, ele já tinha bom porte e asas salientes, mas era indiferente ao mundo lá fora. Apesar dos incentivos da mãe (tipo “vai, voa”), relutou o quanto pôde para o primeiro voo, embora circunscrito à árvore que lhe dava acolhida e sombra. Limitava-se a ficar postado num galho, feito parasita, esperando a mãe para sugar-lhe comida e seiva. Hoje, três dias sem ela aparecer, por motivo ignorado, vejo-o estático, triste e abatido, a mirar o longe vazio. E chove. E não há mais campânulas no ipê para servir-lhe de manto. E ele não sabe o que fazer. E eu também não sei. Oh..., o gavião!