segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

O Natal

                                                                       


 Quando, finalmente, cheguei em casa, sentei e depois fechei a porta. Saí um pouco para olhar a noite, na verdade, a madrugada de Natal. Soprava um vento leste fraco e algo frio, desses do altiplano da Borborema, no verão. Perto, as luzes algo coloridas e importadas. Carros defronte as casas. Risadas altas podiam ser escutadas, um pouco de música, o chiar de um rojão fora de hora... Na avenida, bares fechados, poucas pessoas na via e alguns veículos. Olhei o céu e imaginei que, mesmo onde houvesse uma guerra, àquela hora seria de trégua. Assim, do vigia no convés do transatlântico que avança, ao monge na torre dos contrafortes do Himalaia, pensei haver Paz! Ouvi um bipe...e mais outro... Achei que o sinal repetido dos monitores e ventiladores da UTI vieram até os meus já mortificados ouvidos. Mortificados sim! De fato, habituados aos gritos de dor e ao choro, eles e meus também olhos, abertos por tantas noites, me trouxeram o som da pandemia. Soprou então um vento mais forte e quase gelado. Entrei e fechei a porta. Deixei a sala à meia-luz. Já no quarto, deitei e olhei para o teto, que encheu-se de fantasmas de outros Natais. Amigos, pacientes, parentes que partiram. Depois tudo foi ficando em harmonia. Não tive pressa na ave-maria. Lembrei que há estudados 2020 anos, Ele nasceu! Eu poderia até pintar a cena, se eu pintasse. Pensei, chega de imaginação por hora! Lembrei do último abraço da noite... dos meus pais velhinhos, dos meus irmãos distantes e quase falei baixo: parabéns Jesus! Estamos vivos, no Natal. Feliz Natal! 

Garanhuns-PE, 25 de dezembro de 2020, 02:30h. Ulisses Pereira ✍ Médico

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