Sob o título acima circula nas redes
sociais (internet) o filme (audiovisual) em que o cantor/compositor/sanfoneiro
narra, na primeira pessoa, sua relação – familiar, profissional e sentimental com
o seu padrinho (Gonzagão) e ele próprio, o afilhado, desde 1954, quando do
primeiro encontro, casual, na porta do então sanatório/hotel Tavares Correia,
em Garanhuns.
Era uma manhã de sábado, mês de junho
de 1954. Gonzagão, já consagrado nacionalmente como O Rei do Baião, reunido que
estava no grande salão do Tavares Correia, ouve um som de sanfona de oito
baixos vindo de fora para dentro. Era o pai (Chicão), acompanhado pelos três
filhos, menores de idade: Valdomiro, Morais e Domingos, que faziam a singela
percussão.
Costumavam tocar na calçada do
Tavares Correia e de outros hotéis, onde presumiam, se hospedavam pessoas
importantes que, foi não foi, jogavam um dinheirinho dentro do chapéu de palha
estendido na calçada. Naquela manhã, tudo foi diferente. Quem os escutava, lá
dentro, era o Rei do Baião. Chamou-os até o salão e ouviu de perto o som dos oito
baixos de Chicão e a destreza com que se acompanhava pelos próprios filhos.
Algo singular.
Sem maiores conversas, “puxa do bolso
um pacote de dinheiro e encheu o chapéu dos matutos tocadores”, revela. E, por
último, entregou-lhes o seu cartão pessoal com o endereço do Rio de Janeiro, dispondo-se
a recebe-los lá. Foi o que aconteceu, poucos anos depois: “pegaram um pau de
arara”, o transporte da época, e depois de 11 dias varando estradas
empoeiradas, desembarcamos na então capital do Brasil”.
Dominguinhos conta haver perguntado
ao pai quem era aquele. Pois,
na sua casinha, zona rural de Garanhuns, não tinham um aparelho de rádio, à época, o
principal meio de comunicação do Brasil. Faltava-lhes dinheiro para tanto. “Eu
não sabia de quem se tratava, nem ele nem outros ídolos da Música Popular
Brasileira.
Nasceria
ali, naquela manhã daquele sábado de 1954, um “namoro” que só a morte acabaria.
Foi o que aconteceu. No Rio, vão à procura de Gonzagão, em sua mansão no bairro
grã-fino do Mea. São recebidos com carinho e atenção. Lá pras tantas, o Rei
entra num quarto e volta com uma sanfona de 80 baixos, “novinha em folha”, e
presenteia Chicão e os meninos.
Qual não foi
a alegria de pai e filhos. A partir daí, o ainda Domingos, começa a tocar, como
solista, em boites do Rio, e logo depois em emissoras de rádio, onde era
conhecido como “Nenê”. A primeira mudança, vindo do Gonzagão, foi para que ele,
ao invés de “Nenê”, passasse a se chamar Dominguinhos, pois soaria melhor como
nome artístico. O jovem não hesitou e logo mais estaria conhecido e consagrado nos
meios artísticos com o novo nome.
Dominguinhos
conta esse e tantos outros fatos que se passaram ao longo de sua relação com o
Rei, inclusive quando, ao saber que havia engravidado sua namorada, conta o
fato ao seu pai, este não hesita e determina que ele teria que se casar.
Dominguinhos não tem dúvida, vai em seguida ao encontro de Gonzagão, conta-lhe
o fato e formula o convite para ele ser o padrinho do enlace. Qual não foi o
esporro: “Como é, rapaz, você não tem juízo não, um moleque com 17 anos se
casando. Eu só casei aos 34 anos e não foi nada fácil. Desapareça daqui, não
quero saber dessa conversa não”.
Conhecendo já
o temperamento do Rei, foi não foi, um tanto explosivo, sem meias palavras,
volta cabisbaixo; oito dias depois, é chamado por Gonzagão, que decide ser o
seu padrinho de casamento, juntamente com Helena, sua esposa. Foi aquela festa,
com direito a fotos e tudo mais, conforme consta no filme.
Dominguinhos
revela essas e tantas outras passagens e momentos vividos na companhia de
Gonzagão, colhendo e assimilando seus conselhos e lições, estradas afora por
onde circularam realizando shows e apresentações, em praças públicas, circos,
auditórios de rádios e teatros em todas as regiões do Brasil. Atuando inclusive
como seu motorista que, foi não foi, recebia um esporro.
Conta que
certa feita, foram embarcar num aeroporto do Rio, quando Gonzagão aponta para
um avião de grande porte e diz que, qualquer dia, compraria um e
transformá-lo-ia numa grande boite, onde só tocaria música nordestina.
Com a simplicidade e humildade que marcaram
sua pessoa, seu jeito de ser, não obstante a força de sua veia artística,
Dominguinhos fala mais sobre o seu padrinho, artístico e de casamento, e menos de
suas próprias vitórias como mestre da sanfona, compositor de vários sucessos,
gravados por muita gente importante da MPB. Dedica maior parte da gravação
discorrendo sobre fatos pitorescos e sua convivência ao lado do Rei, a
revolução que a obra de Gonzagão projeta além fronteiras. Ele que cantou como
ninguém a alma, a beleza e as intempéries que marcam a paisagem e vida do sertão
nordestino. Suas festas, onde o São João é o grande rio que invade as casas e
encanta almas e corações de todos, da roça às cidades.
(Manoel Neto Teixeira, autor, dentre
outras, da obra GARANHUNS – ÁLBUM DO
NOVO MILÊNIO (1811-2016), é membro da Academia Pernambucana de Letras,
cadeira 44). E-mail: polysneto@yahoo.com.br