quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

JOSÉ BRASILEIREO VILANOVA E A LITERATURA NO BRASIL COLONIAL (III) - Manoel Neto Teixeira


 








O escritor e filólogo pernambucano José Brasileiro Vilanova, na sua obra A Literatura no Brasil Colonial, editora Universitária (UFPE), edição 1977, informa que do ponto de vista literário o século XVIII apresenta duas fases distintas: na primeira, predomina o academicismo inspirado no mecenatismo oficial português; na segunda, prevalece a reação neoclássica, de oposição ao barroquismo, representada principalmente pelos poetas do chamado “Grupo Mineiro”.

Mais da metade desse século caracteriza-se pelo prolongamento do espírito barroco e encontra nas Academias Literárias sua legítima forma de expressão. Pouco importa que elas tenham tido existência efêmera. Reunia intelectuais dissociados por atividades profissionais diferentes, orientando as pesquisas históricas e incentivando as produções poéticas, que evidenciam o espírito literário ainda do Brasil colonial.

Diz a mesma fonte que as composições em versos não vão além dos jogos de palavras, quase sempre artificiais ditadas sobretudo pelo desejo de vanglória e bajulação, principalmente relacionadas com figuras do status quo. Coube aos trabalhos, nascidos do academicismo, a ampliação desses limites, abarcando a vida política, religiosa, militar, genealógica e literária da Colônia.

“A partir da publicação das Obras Poéticas de Cláudio Manuel da Costa, em 1768 – diz Brasileiro Vilanova - e da fundação da Arcádia Ultramarina, é manifesta a reação neoclássica, tentativa de volta às fontes mais puras do classicismo. Adota-se, então, nova concepção estética, em que a simplicidade e a espontaneidade são elementos dominantes. Por isto mesmo - acrescenta - a vida e os seus problemas já não se prestam para divagações sutis da inteligência. Também a observação da realidade já não será usada como elemento capaz de impressionar os sentidos ou despertar imagens sensoriais. Procura-se, ao contrário, integrar o homem na natureza, possibilitando sua identificação com o meio em que vive e as coisas que o cercam”.

O retorno da literatura às fontes primitivas do classicismo explica a preferência pela poesia épica, satírica e pelo lirismo, não raro, de sentido moralizante, praticados no Brasil na segunda metade do século XVIII, acrescenta a mesma fonte.

Chega o tempo das Academias Literárias, já existentes em países europeus, desde o século XV. Em Portugal, surgiriam a partir do século XVII, destacando-se a dos Singulares, a dos Generosos e a dos Anônimos. No Brasil colonial, somente vão aparecer a partir do século XVIII, e tinham caráter oficial e eram de caráter metropolitano. Despertariam o interesse pelos estudos históricos, literários e dos problemas sociais.

A primeira Academia Literária foi fundada na Bahia, em 1724, e recebeu a denominação de Academia Brasileira dos Esquecidos. Seu fundador foi o vice-rei Vasco Fernandes de Menezes, o qual, “para dar a conhecer os talentos que nesta província floresceu, e por falta de exercícios literários, estavam como desconhecidos, determinou instituir uma academia. Durou apenas um ano e teve como principais sócios e fundadores e coronel Sebastião da Rocha Pita, o padre Gonçalo Soares da França, o dr. Inácio Figueiredo e Luiz de Siqueira da Gama. Essa academia chega a planejar o estudo da história do Brasil em quatro partes: natural, militar, eclesiástica e política.

A segunda academia teria surgido no Rio de Janeiro, em 1736, sob a denominação de Felizes, que funcionaria até 1740. Compunha-se de trinta sócios. Também sediada no Rio de Janeiro foi a Academia dos Seletos, em 1752, com o objetivo expresso de homenagear Gomes Freire de Andrade, nomeado para o cargo de Comissário e Árbitro Superintendente da Demarcação das Fronteiras do Sul. Teve como presidente o jesuíta Francisco de Faria e era secretariada por Manuel Tavares de Siqueira e Sá.

Outra entidade do gênero viria a ser criada na Bahia, em 1759, a Academia Brasílica dos Acadêmicos Renascidos, iniciativa de José Mascarenhas Pacheco Pereira de Melo. Sua organização tinha como modelo a Academia Real da História Portuguesa. Era constituída por quarenta sócios.

HISTORIOGRAFIA

As pesquisas histórias constituíam o principal objetivo das academias literárias baianas. Desde os primeiros tempos, aliás, consoante prova a contribuição dos jesuítas e dos cronistas, sempre houve no Brasil interesse pelas observações históricas. No século XVIII, mesmo antes de serem criadas as associações literárias, não diminuía a curiosidade pelos assuntos sobre história, diz Brasileiro Vilanova.

 A Academia dos Esquecidos teve como principal expoente o historiador Sebastião da Rocha Pinta, único a deixar obra impressa versando sobre Uma história da América Portuguesa, desde o seu descobrimento até o ano de 1724. E o fez, “em decadente estilo barroco”, segundo a crítica. Outro destaque para a Academia dos Renascidos, que teria influenciado os historiadores do século XVIII, cujas principais publicações foram: Dissertação sobre a história eclesiástica do Brasil, de Gonçalo Soares da França; A história militar do Brasil, de José Mirales; Desagravos do Brasil e glórias de Pernambuco, de Benedito Domingos de Loreto, na qual descreve pormenorizadamente a história da capitania de Pernambuco.

Outro destaque para a obra do pernambucano Frei Antônio de Santa Maria Jaboatão, com os títulos: Novo orbe seráfico brasílico ou crônica dos frades menores da província do Brasil. Autor ainda de um Catálogo genealógico, o frade franciscano não se limitou a escrever a história dos seus companheiros de Ordem, mas incluiu no seu livro, em estilo agradável, segundo a crítica, interessantes observações sobre a vida colonial, sem esquecer informações locais, lendas e tradições populares.

Descendente de bandeirantes, Pedro Taques de Almeida Pais Leme é considerado o primeiro genealogista brasileiro, autor de importante obra nesse campo do conhecimento: Nobiliarquia paulistana, história da capitania de São Vicente; Informações sobre as minas de São Paulo; e Notícias históricas da expulsão dos jesuítas de São Paulo. Produziu ainda Nobiliarquia paulistana, em que descreve as principais famílias paulistas e os mais notáveis feitos dos bandeirantes.

Outra obra que mereceu destaque, sob o título de Memórias para a história da capitania de São Vicente, do frei Gaspar da Madre de Deus, publicada em 1797, adotando métodos objetivos e positivos, segundo a crítica. Também, nessa mesma linha, resgistra-se a obra Cultura e opulência do Brasil, de André João Andreoni (Lisboa – 1791), versando sobre as minas existentes na Colônia, do processo de fabricação do açúcar, do plantio e beneficiamento do fumo. Fornece ainda informações sobre os emolumentos dados pelo Brasil a Portugal. A primeira edição de Cultura e opulência do Brasil foi sequestrada por ordem de D. João-V, sob a alegação de que o livro divulgava todos os segredos da Colônia brasileira aos estrangeiros.

POESIA LÍRICA

Houve nesse período uma abundante produção de poesia lírica, na segunda metade do século XVIII, porém, sem expressão literária, conforme a crítica. A grande preocupação estava voltada para a rima, em prejuízo de outros recursos e técnicas literárias. Exceção para a obra: Peregrino da américa, de Nuno Marques Pereira. A obra, dedicada ao mestre de campo Manuel Nunes Viana, famoso chefe dos emboabas, foi publicada em 1728 e já em 1730 merecia uma segunda edição. Houve quem visse nessa obra o primeiro romance nacional.

Afirma José Brasileiro Vilanova que os versos concebidos em toda a primeira metade do século XVIII não possuem expressão artística nem valor literário. O soneto de Antônio Antunes de Menezes, dedicado a Gomes Freire de Andrade, é uma prova desse estágio:

Vossa espera, senhor, se inculca deste

Que parece exceder de Polo, a Polo

Na cabeça se observa o mesmo Apolo,

Neste peito se admira o mesmo Marte.

            Três fatos principais distinguem, na segunda metade do século XVIII, a vida literária no Brasil. Um deles é a influência do enciclopedismo francês, através das duas sociedades culturais fundadas no Rio de Janeiro: a Academia Científica e a Sociedade Literária, as quais, na realidade, reuniam mais cientistas do que literatos, conforme os registros. Instalada sob a proteção do Marquês do Lavradio, em 1772, dedicou-se aos estudos da medicina, física, química, história natural e agricultura.

            Refere-se também José Brasileiro Vilanova ao arcadismo que teria sido iniciado por Claudio Manuel da Costa, com grande influência nesse período. Ele escreveu sonetos, epicédios, epístolas e fábulas em que se admira sobretudo a perfeição formal. Árcade na linguagem, temática e na técnica. “De todos os representantes do chamado Grupo Mineiro, Tomás Antônio Gonzaga foi “o mavioso Dirceu, o maior lírico”. Suas obras completas foram editadas pelo Instituto Nacional do Livro.

             A epopeia é a narração, em versos, de atos heroicos, de caráter real ou imaginário. “Depois do sucesso obtido pelos clássicos europeus, e da repercussão de Os Lusíadas, em Portugal, os autores brasileiros, sempre sôfregos em imitar os literatos portugueses, não poderiam deixar de explorar o aspecto épico da poesia. Assim, houve manifestações típicas na Colônia, devendo ser assinalados Basílio da Gama, com o Uruguai; Durão, com o Caramuru; e Claudio Manuel da Costa, com Vila Rica”.

            “Caramuru – diz Brasileiro Vilanova - é um poema heroico em dez cantos de oitava rima e versos decassílabos, no qual, os episódios mais importantes, significativos, são demasiadamente extensos, em face da imitação camoniana”.

            Enquanto o Desertor das Letras, de Silva Alvarenga, poema heroico-cômico, teve o objetivo de elogiar a reforma universitária pombalina, as Cartas Chilenas, de   Gonzaga, inauguram a sátira política brasileira. Foram publicadas, pela primeira vez, em número de sete, na revista “Minerva Brasiliense”, em 1845.

            POESIA POPULAR

            Finalmente, não poderia faltar o braço da poesia popular brasileira, com Domingos Caldas Barbosa, autor de cantigas, modinhas, cantatas etc., colecionadas com o título de Viola de Lereno. Foi poeta popular, improvisador ao som da viola, com temáticas brasileiras onde não faltava o sensualismo amoroso. Os versos de Caldas Barbosa foram publicados em Lisboa e, 1798.

            Nos comentários finais de sua obra, José Brasileiro Vilanova diz: “É costume citar alguns nomes de autores, nos fins do século XVIII, contando-se entre eles o dicionarista Morais, Matias Aires e Teresa Margarida, considerada a primeira romancista brasileira. De importância real, deve ser feita referência a Antônio Morais e Silva, que foi o primeiro brasileiro a sistematizar um Dicionário da Língua Portuguesa. O livro tem dois volumes e sua publicação verificou-se em Lisboa, em 1789. É um verdadeiro documento da língua nacional no século XVIII. Em 1922, comemorativo do primeiro centenário da Independência do Brasil, foi divulgada edição fac-similar dessa obra”.

                        (Manoel Neto Teixeira é autor, dentre outras, da obra Garanhuns, Álbum do Novo Milênio (1811-2016, e membro da Academia Pernambucana de Letras Jurídicas).

E-mail: polysneto@yahoo.com.br 

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