sexta-feira, 12 de março de 2021

FAKE NEWS (VELHAS/NOVAS MENTIRAS) - Manoel Neto Teixeira


 







Fenômeno inerente à própria condição humana a mentira, agora fake news, é praticada desde que o mundo é mundo, suas origens se perdem nas dobras do tempo. Além de fazer parte do cotidiano das pessoas, está inserida no contexto das narrativas históricas, nos códigos penais, na literatura e no folclore de todos os povos.

Há um cem número de definições sobre a mentira, a cargo dos estudiosos e pesquisadores do folclore e da cultura popular. Entre estes, a do consagrado folclorista Luis da Câmara Cascudo: “É a liberação dos limites da lógica e participadas estórias mentirosas, pilhérias, anedotas, casos estupefacientes”.

Consta inclusive nos relatos bíblicos, quando o apóstolo Pedro nega por três vezes conhecer e ser próximo de Jesus.

Com o nome “moderno” de fake news, a velha/nova mentira continua mexendo com o cotidiano das pessoas e das sociedades em geral, desenvolvidas e subdesenvolvidas. Agora, com o fenômeno da Internet, é incorporada nas redes sociais, causando uma crescente onda de sensações, gerando uma onda de desmentidos, de disse-me disse-me sem fim, inclusive frequentes processos judiciais.

    Desde os rincões do nosso imenso país, dos campos às cidades, a mentira circula qual “necessidade” de muita gente, nas feiras livres, nos salões dos antigos barbeiros aos salões de beleza das área urbanas (grandes e pequenas), os contadores de estórias têm cadeira cativa, alimentam expectativas e o imaginário popular.

Há os que classificam a mentira com duas facetas: a “mentira verdadeira”, aquela que calunia as pessoas causando-lhes danos morais, o que gera processos judiciais, e a “mentira branca”, sem causar danos nem atingir a reputação de ninguém. São estórias hilariantes, que aguçam o imaginário das pessoas, contadas por figuras que fazem parte do folclore e da cultura oral das comunidades.

A mentira está presente não apenas na vida real, no cotidiano das pessoas, mas também se presta como temas para as criações literárias dos grandes escritores, principalmente no terreno da ficção, movimentando a cena teatral, o cinema e a televisão. Os contadores de estórias, chamados “mentirosos profissionais”, têm cadeira cativa nos programas de televisão.

Abarcando os vários aspectos da questão, foi publicado, em 2001, inciativa da editora Goiânia Kelpes, o livro sob o título Algumas Pernas Curtas da Mentira, reunindo ensaios de escritores e pesquisadores de destaque na cena cultural de Pernambuco: Mário Souto Maior, Manuel Correia de Andrade, Renato Phaelante e Getúlio Araújo.

Cada um registra e comenta os vários aspectos da mentira, sua repercussão desde as narrativas históricas até casos envolvendo figurões da política e do folclore. Na literatura de cordel, circulam centenas de folhetos contando desde fatos e figuras históricas até projeções na cena ficcional, como o folheto sobre a chegada de Lampião no Inferno.

O escritor Mário Souto Maior afirma, no capítulo “a mentira na linguagem popular”: “Na boca do povo – legendas escritas nos para-choques dos caminhões, trovas, culinária, letras da música popular brasileira, crendices – a mentira encontra sua guarida cotidiana como resultado da afirmativa de que é o povo quem faz a língua de uma nação. Somente depois que o povo cria as palavras é que os lexicógrafos arrumam-nas em estudos linguísticos e nas páginas dos dicionários, passando, a partir de então, a pertencer à língua falada e escrita de sua gente”.

O autor citado admite que existindo em todo mundo, na totalidade das classes sociais, branca ou verdadeira, a mentira, não podendo ser a exceção de uma regra universal, também participa dessa linguagem popular, de ambas as maneiras, contribuindo, assim, para seu enriquecimento.

O campo da historiografia é dos mais férteis para a deturpação dos fatos e a inserção de mentiras. O professor Manuel Correia de Andrade diz, no ensaio sobre equívocos da história do Brasil, serem inúmeros os equívocos e omissões, por parte de alguns historiadores, sobre fatos e acontecimentos que marcaram a mudança de regime Império para a República.

Por sua vez, o pesquisador Renato Phaelante comenta sobre a mentira na discografia da MPB, um terreno fértil. Cita o poeta Mário Quintana para quem “a mentira é uma verdade que se esqueceu de acontecer”. Pisa em outro terreno igualmente fértil, para disseminação da mentida, que é a literatura de cordel.

Registra alguns títulos como: “O homem que virou bode”, de Dila Soares; “O fantástico caso do padre que morreu 136 vezes e ressuscitou”, de Abraão Batista; “O rapaz que virou cachorro porque zombou do Padre Cícero”, de Jota Barros; “A moça que dançou com Satanás no inferno”, de José Costa Leite; “O cavalo que defecou dinheiro”, de José Martins de Athayde.

Phaelante enumera várias letras musicais que têm como foco a mentira, inclusive o próprio Gonzagão que, em parceria com Humberto Teixeira, gravou em 1949, a música “Lorota Boa”: Dei uma carreira num cabra/que mexeu com a Maroquinha/começou na Mata Grande/e acabou na Lagoinha/Corri mais de sete léguas/Carregado como eu vinha/Pois trazia na cabeça/Um balaio cheio de galinha.

Esses autores admitem ser muito complexo o mundo da mentira. Em suas nuancas existemaquelas que são justificadas, quando se mente para ser agradável, por mera educação. É o caso de alguém que afirma estar deliciosa a comida feita pela amada, quando estava simplesmente intragável. Ou, mesmo quando se utiliza a mentira para salvar a própria vida ou “tirar o pai da forca”, quer dizer, de uma trapalhada.

(Manoel Neto Teixeira, jornalista e historiador, membro da Academia de Letras de Garanhuns, é autor, dentre outras, da obra Pinto Ferreira – Vida e Obra)


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