Pilar, dia normal de uma quarta-feira, lê, faz
arrumação de algumas coisas espalhadas, e senta-se. Como de costume, estando
cansado, prefere a poltrona do canto da sala. Esperar o jantar... sentar e
pensar.
Que vida, que tempo! A tarde amarelando, e, pela janela aberta, algum
sol de despedida. Relaxa e pensa. Que vida, que tempo! Os pés nos chinelos, os
braços e as mãos soltos, liberados dos compromissos com o restante do corpo. Ambiente
de tranquilidade. O tempo, como gosta; o ar bom, como respira. O jantar... Afra
ia aparecer na sala, e anunciar o jantar. Pilar, percebia que comer era-lhe a
coisa mais agradável; mais que outras do não ter o que fazer. No fim da vida,
essa conquista, comer. Que lhe viesse o sono, o passar da vida, o médico, os
remédios, mas comer... comer e comer bem.
Pensava... A lembrança não acaba mais. Recorda de um tempo de trabalho e
infortúnio. Ter de chegar às 5 da manhã, e só largar o serviço ao
desaparecimento do sol de uma vista longe, a qual ele se prendia sempre, pela
desolação do desconhecido. O dia todo no serviço de uma madeireira. Foi isso
até um tempo favorável, quando passou de serralheiro a cortador de fatias de bolo.
Fazendo e vendendo bolo, melhorou de vida. Chegou à grande diferença do que
antes era, transformando-se em proprietário de uma indústria de alimentos. Passa tudo, e acaba vivendo bem do que
conseguiu com muito trabalho.
O
jantar. Uma pizza, preparada por sua cozinheira, com queijo de Minas, e uns
ingredientes que havia usado nos seus bolos. Essa mistura era segredo, guardava
sempre em segredo, como a arma do negócio. Sentia o cheiro, dava-lhe água na
boca, e esperava mais instantes. Comer sem pressa, saboreando cada bocado. E se
sentir, depois, saciado do alimento, cômodo, absorto como é a borboleta no
jardim da vida.
E
logo, surge à porta da sala Afra, e diz
– Aí, chegou
um amigo seu, Irineu.
Mandou entrar. Era raro o amigo aparecer. Tinham sido amigos no tempo do
infortúnio. Irineu conhecia muito Pilar, o apelido e a sua vida de luta. Como
sempre, começava perguntando pela família. Pilar quase não tinha mais parentes.
Um irmão, Anselmo, e uns primos de longe. Vivia só, como podia aproveitar,
viúvo, as últimas mesas fartas. O irmão, diferente e desventurado, só causava
problemas, quando aparecia. Irineu lamentou, e disse que o irmão andava metido
em encrencas. Vida arriscada... e a conversa se mantém sobre família, as
obrigações com os parentes próximos. Os desníveis sociais, os incômodos.
A
interrupção foi de uns 30 minutos, até que o amigo, agradecendo o convite
imediato de ficar e jantar, despediu-se e saiu. Pilar suspira, e se dirige à
mesa. Já estava servido o jantar. Senta-se, tudo pronto, comida quente e
apetitosa. Como bom cortador, mal corta o primeiro pedaço de pizza, surge outra
vez à porta Afra. Pilar vê o seu rosto, que traz expressão de acontecimento
ruim... E, quase em choro, diz:
– Pilar, seu irmão!...
Pilar ergue-se e nem espera por mais notícia. Vai afastando-se da mesa e
do jantar, como que empurrado pelo destino persistente.
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