Acabei
de rever um vídeo da geriatra Ana Cláudia Quintana Arantes e não consegui
deixar de pensar em escrever este texto. Aliás, antes disso, penso no Youtube,
Google e mídias sociais. Temos hoje, refeita, a incinerada biblioteca de
Alexandria com todo o conhecimento disponível ao alcance da mão. E é na web,
você não carrega peso nem pega alergia com papel velho. Claro que temos uma
imensa quantidade de lixo e de inutilidades no ambiente virtual, mas garimpando
se encontram tesouros. Esse vídeo é um deles.
A narradora, com voz suave, nos fala da
morte e nos propõe um exercício ao final: escreva os seus 5 maiores problemas
de hoje. Depois pense que você vai morrer na próxima semana. Volte a pensar nos
problemas e vai ver que não são tão grandes assim.
Isto posto, recordo o dia em que meu filho
Iúri me ligou para contar que o amigo João Batista de Freitas, o Jonba, tinha
apenas três meses de vida. Poeta, contador de piadas, escritor, advogado,
técnico de laboratório, grande cozinheiro, grande anfitrião, o que o Jonba não
era? Pois ele recebeu a notícia de que estava com fibrose pulmonar e só tinha
aquele limitado crédito existencial. Teve até mais tempo do que o proposto no
exercício da geriatra.
Recebi a notícia e, acovardado, relutei bastante
até tomar coragem e viajar de Brasília a Pitangui para compartilhar talvez os
últimos dias de uma pessoa que conhecia desde criança. Jonba também saiu de
nossa cidade natal, trabalhou por muitos anos em Trombetas, PA, e fomos nos
encontrar de novo em Pitangui, na metade dos anos 80. Daí, quase sempre no
quintal de sua casa, no caminho da bica da Gameleira, continuamos uma produção
literária e musical, compartilhada pelo também saudoso Reinaldo Pereira de
Souza, o Rohr, nosso parceiro, músico excepcional.
Estive com Jonba todas as manhãs, durante
uns 10 dias. Não toquei no assunto principal, a morte anunciada. Quando ele
beirava o tema, eu não dava liga. Buscava outras pautas. Procurei incentivá-lo
a colocar na web os seus escritos, principalmente os “causos” reunidos sob o
nome de “Beira de Balcão” e também poemas. A meu pedido, criou sua página no
Recanto das Letras e postou apenas dois poemas, que podem ser acessados pelo
singelo nome do autor: Jonba. O tempo foi curto para isso, sua produção é
imensa.
Estava em pleno processo de despedida
quando o visitei. Contratou um motorista para levá-lo pela cidade aos lugares
queridos. Não sei e nem perguntei, talvez agora pergunte aos familiares como
ele se comportou nesses últimos dias. Com a respiração cada vez mais
prejudicada, passou a usar o oxigénio portátil a maior parte do tempo,
inclusive nos últimos encontros musicais em sua casa ou na casa do irmão José,
onde o sobrinho Fábio Freitas já se anunciava como um herdeiro do tio.
No 1º de setembro, seu aniversário, já
estava no hospital. Liguei a pretexto da data e, consternado, ouvi sua voz
fraquinha e respiração angustiada. Ainda fiz uma brincadeira:
- Que situação, Baez, passar o aniversário
no hospital, hein? - Pura falta do que
falar, mas ele respondeu qualquer coisa ininteligível. Foi a última vez que
ouvi sua voz.
Partindo dos parâmetros da dra. Ana Cláudia, até que ele aproveitou bem o tempo que lhe deram para meditar e despedir-se. Penso nisso sempre e agora sigo essa diretriz para redimensionar meus problemas. Estou na mesma gangorra que a maioria da Humanidade, especialmente nesses tempos terríveis da Nova Peste: quando assolado por problemas, penso na semana que me resta e tiro tudo de letra. E vou seguindo.
Eis
o link do vídeo citado:
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