quarta-feira, 31 de março de 2021

GERALDO FREIRE O COMUNICADOR DA MAIORIA - Manoel Neto Teixeira

 








     É por demais abrangente e expressivo o título do livro do e sobre o radialista Geraldo Freire: “O que eu disse e o que me disseram”. A obra, em segunda edição, 486 páginas, Companhia Editora de Pernambuco-CEP, 2018, coautoria de Eugênio Jerônimo, colaboração de Gildson Oliveira e Daniel Bueno. Xico Sá, jornalista e escritor, assina o “Breve prefácio de um admirador de longa data”, o qual salienta, entre outras tiradas: “Noves fora a brincadeira, que figura tampa de Cruch, que arretado, que radialista da gota serena, da moléstia dos cachorros, da febre do rato, para citar apenas algumas expressões populares que tratam da grandeza e do superlativo da nossa gente nordestina. E viva a fala do povo, a linguagem da “poeira”, algo tão exaltado e defendido por esse gigante da comunicação do país”

No primeiro capítulo, sob o título “A improvável vida de Geraldo Freire, Eugênio Jerônimo discorre sobre as origens e contexto familiar do radialista, cujos pais – Lauro Gomes dos Santos e Odília Freire dos Santos -, as irmãs Maria e Adalgiza, migram do sertão cearense, fins da década de 40 do século XX, em busca de melhores condições de vida no município de Pesqueira, agreste de Pernambuco. A criança Geraldo Freire, com apenas cinco anos de idade, fica órfão de mãe e daí enfrentaria toda sorte de dificuldades e desafios, materiais e psicoemocionais. Recebe as primeiras lições na escola rural de Fundão de Dentro, com a profa. Sebastiana, de quem chama a atenção pela rapidez com que assimila o aprendizado das primeiras letras e os deveres prescritos: “Em apenas uma semana já lia a cartilha de frente para trás e de trás para a frente”. Tinha oito anos. “As pessoas identificavam nele um talento superior”, confessa a profa.

 A primeira odisseia do menino GF estava próxima: aos nove anos, arquiteta aquela que seria decisiva na sua vida: foge da casa do pai e madrasta, no sítio Canela de Ema, zona rural de Pesqueira, embarca no trem em Pesqueira rumo ao Recife, à procura da casa da tia, Ciló, que já havia recebido suas irmãs após a morte de sua mãe. A residência ficava no bairro de Água Fria. Mas, qual não o susto da tia ao ouvir alguém bater na sua porta em plena madrugada. Embora reticente, abre a porta e se depara com o menino sobrinho GF. Que susto e que alegria. O acolhimento imediato, com os afagos quase que maternais.

Irrequieto o menino GF busca logo e encontra trabalho, apesar da pouca idade, em pequenas mercearias e lojas estabelecimentos comerciais. À época, a Justiça do Trabalho fazia “vistas grossa” permitindo a mão de obra de menores. Depois das primeiras experiências, bate por último na porta da Agência de Propaganda do Sr. Hermes de Melo, no centro do Recife, consegue emprego e onde ensaia as primeiras incursões no mundo da publicidade. A paródia “La Bamba” foi a sua primeira produção.

O publicitário Hermes de Melo mantinha um programa na rádio Capibaribe divulgando as notícias das atividades sindicais no Recife. Onde realizada também entrevistas com lideranças do setor. O menino GF tinha a incumbência de conduzir o gravador acessórios para o Sr. Hermes realizar as entrevistas. Surge daí o seu primeiro encanto com os bastidores do rádio, as entrevistas, locução e produção de textos.

Certo dia, GF chega aos estúdios da Capibaribe levando o gravador de fita de rolo na cabeça para a entrevista que o Sr. Hermes faria, naquela tarde, com o interventor do Sindicato, um capitão de mar e guerra (já em pleno regime militar, pós 64). A entrevista estava marcada para as duas da tarde. O tempo foi passando e nada de o Sr. Hermes chegar, o que veio a acontecer somente às 18 horas. Foi logo perguntando como iam as coisas, na sede do Sindicato dos Tecelões, e qual não o susto ao ouvir do menino Geraldo Freire: “Eu fiz a entrevista, senhor Hermes”. “O que, menino? Voce fez a entrevista? Deve ter ficado uma merda”.

Depois do susto, a surpresa agradável: Hermes liga o gravador, escuta a entrevista, gosta e logo aprova o gesto aparentemente precipitado do menino.  Começa daí a mudar o panorama na vida de GF, tinha 14 anos: recebe a incumbência de continuar auxiliando o Sr. Hermes na realização das entrevistas, substituindo-o quando necessário. Recebe a credencial de “repórter amador de rádio”. Um novo e definitivo desenho começa na vida do adolescente GF. Surgem as primeiras oportunidades para mostrar suas características e modus operandi.

Foi reprovado em dois testes para locutor nas rádios Capibaribe e Continental, por revelar alguma dificuldade na pronúncia de palavras em inglês e francês.  Mas não desistiu. JÁ estava fascinado com os bastidores da radiodifusão. Era sua praia. Já tendo demonstrado jeito para colher entrevistas, como “repórter amador”, nos ambientes sindicais e esportivos. É convidado pelo famoso apresentador Reinaldo Filho para o substituir numas passagens de Natal e Ano Novo, com a incumbência de anunciar apenas a “hora certa”. Os caminhos começavam a se abrir.

Seu primeiro emprego como locutor foi no Sistema Globo (Rádio Repórter), era dezembro de 1968. Depois, rádio Capibaribe, onde cria um laço com os motoristas de táxi, obtendo 90% de audiência da categoria. Atuou em todas as emissoras de rádio do Recife, inclusive na Rádio Olinda, mantendo em todos os programas a sua marca, o jeito próprio de fazer e dizer, entremeando com frases de efeito, “linguagem rasgada, com uma semântica erótica, marcada de palavrões, que deve ser explicada em conjunto com as outras habilidades do comunicador”, salienta Eugênio Jerônimo.

Em 1971, deixa o Sistema Globo e vai para o Sistema Jornal do Commercio, onde atuou como repórter de pista nas coberturas nos estádios de futebol. Aí, aprontou muitas, dentro e fora do gramado. Integrou a equipe de Darcy Lago, na TV Jornal, com o cognome de “O repórter pra frente”. Na Rádio Jornal apresentava o programa “A musicalíssima é uma parada”, líder de audiência no horário. Mesmo assim, é demitido pela direção da empresa e é recebido de braços abertos na Rádio Olinda, pelas mãos do diretor de programação, Roberto Queiroz. Muda o nome do programa da Jornal, agora “A disparada sucesso”, conquistando a liderança de audiência no horário. Fazia ainda um comentário sobre futebol o “Bate-bola”

Volta para a Rádio Repórter, 1973, onde cria, juntamente com o radialista Jota Ferreira, um quadro com o nome de “O tribunal da cana”, com a participação de quatro moradores de rua que “davam plantão” nas rampas do Hospital da Restauração, por Jota Ferreira transitava nas coberturas diuturnamente. Esses personagens reais eram Piroquinha, Dadi, Marreco e Exu Cultura. A conversa com os quatro eram puxadas e alimentadas por Geraldo Freire, novamente líder de audiência no horário, início das manhãs.

Outro quadro também de grande audiência é concebido pela mesma dupla, Jota Ferreira e Geraldo Freire, foi “A perna cabeluda”. Uma ficção que terminou se espalhando qual “realidade” nos quatro cantos do Recife, dando muita dor de cabeça nas delegacias de polícia onde os dois radialistas eram sempre intimados a dar “explicações”.

 

                        O QUE EU DISSE E O QUE ME DISSERAM

Geraldo Freire abre o seu capítulo comentando e justificando o seu linguajar, personalíssimo, pois não se tem notícia de estilo semelhante na radiodifusão brasileira. A conversa inicial com o seu patrão, diretor-presidente do Sistema de Comunicação Jornal do Commercio, Sr. João Carlos Paes Mendonça, sua curiosidade com o linguajar de GF. Este  lembrou uma conversa que manteve com um ouvinte dos seus programas que insistiu em saber algo sobre o seu patrão. A conversa foi por telefone e, entre uma colocação e outra, para encurtar o papo, GF disse: “Eu te digo mais: ele tem muita sorte, pois em tudo que toca faz sucesso. Senti que o cara ficou mais calmo e dei a pancada final: “Eu sou doido que Paes Mendonça me coma, porque eu vou ficar cagando ouro e dou pra tu um par de alianças. O camarada deu uma gargalhada e eu aproveitei para desligar o telefone e continuar trabalhando”.

Quanto ao seu linguajar, recheado de palavrões, GF registra, entre outros, os seguintes: o tirinete; pra caralho; nem fudendo; aquele filho pentelhado de 17 anos; porra nenhuma; puta que pariu; vai tomar no olho do cu; fodeu de vez; foda-se; nem fudendo”.

A segunda parte do livro compõe-se ainda dos seguintes capítulos: começando o tirinete; gente importante; a bola que eu vi rolar; na cozinha do rádio; a cultura do povo; pesquisas, estudo e palpites; para os curiosos; depoimento do diretor do Ibop no Recife.   

 No capítulo “gente importante”, registra tiradas ontológicas com um leque de celebridades de todas áreas do conhecimento, da política, da música e das artes em geral, que passaram e continuam passando pelo seu programa, líder de audiência na Rádio Jornal, onde continua militando há mais de 30 anos.

(Manoel Neto Teixeira, jornalista e professor, membro, dentre outras, da Academia Pernambucana de Letras Jurídicas, autor de mais de uma dezena de livros). E-mail: polysneto@yahoo.com.br.




Sem comentários:

Enviar um comentário