Às
vezes, numa daquelas de não fazer nada, ligo a televisão e vou mudando de
canal. Ora paro diante de uma cena inusitada, ora sou atraído para as
recomendações dadas por alguém do tipo “faça o que falo, mas não faça o que
faço”. Assim, numa displicência de quem não tem compromisso com o tempo, vou
tocando a vida para não ser tocado dela. Sou homem do meu tempo e, sobretudo,
dono de meu tempo. E, como o olho do dono é que engorda o gado, sigo dando
sabores à minha vida: tangendo-a ao meu gosto, sem sair dos limites a que ela
me impõe. Resumindo: danço conforme a música!
Nesse rame-rame toco o barco e aprecio a
paisagem. Num desses momentos televisivos vi uma das meninas do BBB, diante dos
espelhos, se modificando. Exato: se modificando. Sou do tipo que isso era
conhecido por make up. Hoje, pelo resultado final, entendo como camuflagem.
Outra estratégia que está em moda é o uso
de um aplicativo. Este é dez vezes melhor do que Antisardina, o segredo da
beleza feminina. Já tem feirante pensando em aplicá-lo em maracujás de gaveta
para transformá-lo com ares de pele de pêssego. Com o aplicativo “aplicado”
chovem comentários do tipo “como você está linda”, “o tempo não passa para
você” – forma bandida de enquadrar a amiga na turma da terceira idade.
Diante disso pensei numa boa piada: a
senhora, daquelas bem caridosas e atentas às questões sociais, teve um beribéri
e foi parar no hospital. O peso da idade facilitou o aparente inesperado.
Examinam aqui, examinam ali. E nada de sinal de vida. Nesses momentos de confabulações
e cochichos em volta da indigitada, lá foi ela, de moto próprio, ter uma
conversinha antes com São Pedro, que lhe encaminharia para onde sua vida
pregressa lhe credenciava. Nesse bate-papo com dito porteiro do Céu, a
recém-chegada alegou que ainda tinha muita coisa a resolver, tantos carentes
necessitando de seu olhar piedoso e por aí adiante. Pediu que a medida fosse
reconsiderada dado o seu excelente currículo à frente de obras meritórias.
Lembrou-se daqueles que dependiam de suas beneficências.
As
lágrimas e tantos serviços prestados às boas causas conseguiram comover o bom
velhinho. Afinal, ninguém é santo por acaso.
- Tá
bom! Você vai sair desse estado de quem já foi pro beleléu e logo, logo, você
terá alta e vai para casa. Faça o que você tem que fazer e daqui cinco anos
virá de mala e cuia.
Na
UTI foi uma correria. Todos surpresos quando ela abriu os olhos e esboçou um
sorriso. Teve até balões coloridos em sua saída do hospital.
Dias
depois lá estava visitando todas as irmandades e grupos de chás onde
estabeleciam planos de ajuda ao próximo. Foi recebida com confetes e
serpentinas. Regalos para quem tem conta polpuda e coração mole.
Ah, se eles soubessem o que passava pela
cabecinha da “filantropa”, como era nominada pelo colunista social da cidade.
Ao sair do hospital passou pela Caixa e viu saldo e aplicações. Chegou à casa e
começou a fazer cálculos. Tanto para a Santa Casa, tanto para o Lar das Meninas
e Guarda Mirim e assim foi marcando os valores na coluna apropriada. Na outra
página estabeleceu os valores para uma volta ao mundo em transatlânticos. Por
último, porém mais importante, a página com letras garrafais: MEU NOVO LEIAUTE.
E aí colocou a maior parte do dinheiro aplicado. Não sem antes exclamar: -
Nestes cinco anos minhas aplicações serão de botox e silicone!!!
Recauchutada
e toda faceira com novos seios, bumbum revigorado e empinado, nariz aquilino e
olhos de gata, confiante nas palavras de São Pedro, que lhe davam cinco anos a
mais de vida, ajeitou os ombros, estufou o peito, levantou o queixo e saiu às
ruas para o famoso “que vier e der”. Uma dezena de metros adiante foi
atropelada, sem retorno. Subiu direto.
Com tanta gritaria e reclamações, na recepção daquele
ambiente de paz celestial, foi imediatamente atendida:
- Mas, São Pedro! O senhor não disse que me daria mais
cinco anos de vida e já estou aqui de volta?
Surpreso, o porteiro do Céu a olhou de alto a baixo e,
pálido, exclamou: “Meeeniiina, não te reconheci!”
NR: Minha homenagem às caras lavadas.
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