A
Divina Comédia, de Dante Alighiere,
clássico da literatura universal, concebida no século XIV, com dimensões nos
campos histórico, mitológico, filosófico, religioso e político, compõe-se de
três volumes versando sobre Inferno, Purgatório e Paraíso.
A
obra abarca todos os sentimentos humanos – bons e maus -, com repercussão na
vida real, aqui na terra, e além túmulo.
Nascido
em Florença, em 1265, então cidade-estado republicana, com autonomia política e
econômica, entreposto comercial e centro cultural da Itália, era berço de
poetas e artistas.
Dante
foi envolvido desde cedo pelos embates políticos de sua terra, assolada pelas
disputas entre as correntes do Partido dos Guelfos e o Partido dos Gibelinos. A
ponto de ter sido impelido a deixar definitivamente sua terra, passando a viver
no exílio em Verona, Bolonha e Ravena.
O
poema é narrado na primeira pessoa (o próprio autor), qual peregrino
representante do homem medieval, espremido entre a cultura clássica e a
tradição cristã, em busca de excelência moral e espiritual.
Escrita
no italiano vulgar, da época, baseado no dialeto toscano, próximo ao italiano
atual, o autor narra a própria caminhada, com paradas e observações das cenas que
ocorrem nas três estações, classificadas pelo próprio texto bíblico como
Inferno, Purgatório e Paraíso.
Levado
pela mão do também poeta Virgílio,
autor do clássico A Eneida, Dante
conhece o Inferno e o Purgatório, onde encontra os pecadores que lá se
encontram, para depois chegar ao Paraíso, onde abraçaria sua musa Beatriz.
Enquanto
o Inferno responderia pela depressão do Mar Morto, onde todas as águas
convergem, o Purgatório e o Paraíso são círculos concêntricos que, juntos,
responderiam pela mecânica celestial.
Os
cenários comentados pelo autor envolvem personagens bíblicos, do Antigo ao Novo
Testamento, enquanto os personagens principais da obra são o próprio autor, que
realiza uma jornada espiritual pelos três reinos do além-túmulo, e Virgílio, seu guia e mentor nessa
empreitada.
Dante
e Virgílio chegam ao vestíbulo do Inferno (que tem nove círculos). Entre o
vestíbulo e o primeiro círculo está o rio Aqueronte, no qual se encontra Caronte, barqueiro que faz a travessia
das almas.
Embora
hesitante para conduzir os dois personagens, por serem aparentemente pesados, o
barqueiro é convencido por Virgílio a
realizar a empreitada, pois se trata de uma ordem celestial. Fazem a travessia
e chegam ao Limbo, local onde as almas que não puderam escolher a Cristo, mas
escolheram a virtude, vivem a vida que imaginaram ter após a morte.
“Na
mitologia clássica, o Limbo não fica no Inferno, mas suspenso entre o Céu e o
mundo dos mortos. Na poesia de Dante, não se tem uma noção precisa de como se
chegar lá, pois o poeta desmaia no ante-inferno e quando acorda já está no
Limbo, o primeiro círculo infernal”.
Dante se reporta aos atritos que teve com o papa Bonifácio VIII, de quem se tornara
opositor, tendo colocado o sumo pontífice no Inferno antes mesmo de sua morte.
A
amargura do exílio está registrada em várias parte de a Divina Comédia, como no
Canto-III do Inferno, referindo-se ao papa Celestino-V: “Depois disso reconheci
uma sombra daquele que, por covardia, perpetrou a grande renúncia”.
Com
base na tradução de José Pedro Xavier
Pinheiro, editora Principis, edição 2020, transcrevemos a seguir as
introduções às chegadas dos personagens ao Inferno, Purgatório e ao Paraiso.
O INFERNO
“Chegam
os poetas à porta do Inferno, na qual estão escritas terríveis palavras. Entram
e no vestíbulo encontram as almas dos ignavos, que não foram fieis a Deus nem
rebeldes. Seguindo o caminho, chegam ao Aqueronte, onde está o barqueiro
infernal, Caronte, que passa as almas
dos danados à outra margem, para o suplício. Treme a terra, lampeja uma luz, e
Dante cai sem sentidos!”. A seguir, os quatro primeiros versos do Canto-III:
Para
mim se vai das dores à moradia,
Por
mim se vai ao padecer eterno,
Por mim se vai à gente condenada.
Moveu
Justiça o Autor meu sempiterno,
Formado
fui por divinal possança,
Sabedoria
suma e amor supremo.
No
existir, ser nenhum a mim se avança,
Não
sendo eterno, e eu eternal perduro:
Deixai,
ó vós que entrais, toda a esperança!
Estas
palavras, em letreiro escuro,
Eu
vi, por cima de uma porta escrito.
“Seu
sentido”, disse eu, “Mestre me é duro”.
O PURGATÓRIO
Ao
sair do Inferno, Dante respira
novamente o ar puro e vê fulgentíssimas estrelas. Encontra-se na ilha do
Purgatório. O guardião da ilha, Catão
Uticense, pergunta aos dois poetas qual é o motivo da sua jornada. Logo
após, ele os instrui relativamente ao que devem fazer, antes de iniciar a subida
do monte”.
A
seguir, os quatro primeiros cantos sobre o Purgatório:
Do
engenho meu a barca as velas Solta
Para
correr agora em mar jucundo,
E ao
despiedoso pego a popa volta.
Aquele
reino cantarei segundo,
Onde
pela alma a dita é merecida
De
ir ao céu livre do pecado imundo.
Ressurja
ora a poesia amortecida,
Ó
Santas Musas, a quem sou votado;
Unir
ao canto meu seja servida.
Calíope
o som alto e sublimado,
Que
às Pegas esperar não permitira
Lhes
fosse o atrevimento perdoado.
O PARAISO
“Invocando
Apolo, o Poeta canta como do Paraíso Terrestre ele e Beatriz se alçaram ao Céu,
atravessando a esfera do fogo. Beatriz explica-lhe como possa vencer o próprio
peso e subir. É atraído pelo invencível amor.
“Seguindo
as teorias de Ptolomeu, Dante põe a terra imóvel no centro do Universo e, ao
redor dela, em órbitas concêntricas, os céus da Lua, de Mercúrio, de Venus, do
Sol, de Marte, de Júpiter, de Saturno, a oitava esfera, que é a das estrelas
fixas, a nona, ou primeiro móvel, e finalmente o Empíreo, que é imóvel.
Transportado pela força que faz rodar os céus e pela luz sempre crescente de
Beatriz, Dante eleva-se de um céu para outro, e em cada um deles aparecem-lhe
os espíritos bem-aventurados que, quando vivos, possuíam a virtude própria do
respectivo planeta”.
Os
três primeiros cantos sobre o Paraíso:
À
glória de quem tudo, aos seus acenos,
Move,
o mundo penetra e resplandece,
Em
umas partes mais em outras menos.
No
céu onde sua luz mais aparece,
Portentos
vi que referir, tornando,
Não
sabe ou pode quem à terra desce;
Pois,
ao excelso desejo se acercado,
A
mente humana se aprofunda tanto
Que
a memória se esvai, lembrar tentando.
(Manoel Neto Teixeira,
jornalista e escritor, autor, dentre outras obras, da série MULTIVISÃO (já no oitavo volume), é
membro da Academia de Letras de Garanhuns). E-mail: polysneto@yahoo.com.br
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