Realmente, o realejo envelheceu, não caiu de moda, se
cair, vira souvenir. Na condição de ventríloquo da musa, prosélito da prosa,
procurador da poesia, sirvo-me deste espaço para mostrar o que eu toco na velha
lira que soluça nas vielas dos versos, na alameda do poema, na sarjeta da
boemia.
Tenho por mim que a poesia é a ciência consciente up to date da mitologia. Pelo viés da
imaginação o poeta canta seus mitos, o cientista joga dados com Deus. O
cientista fala por dogmas e paradigmas, o poeta desvela, desmistifica,
autentica, homologa o mito. O cientista materializa o espírito. O poeta
espiritualiza a matéria. O poeta é platônico. O cientista é aristotélico. O
poeta é plástico. O cientista é granítico. O poeta finge tão completamente, que
chega a fingir a dor que deveras sente. O cientista finge tão completamente,
que esfinge frugalmente. O poeta aprofunda o mistério do mito. O cientista
desmistifica o fato. O poeta irradia o ser. O cientista radiologiza o não-ser. O
cientista analisa. O poeta psicanalisa. O poeta é holístico. O cientista é
sintético. O poeta enxerga o Um na multiplicidade. O cientista enxerga a
multiplicidade no Um. O cientista é amigo do Rei. O poeta é amigo de Deus.
Poesia é um combate que aos fracos abate.
É luta que luto. É coisa de louco alienado em anacoluto.
Nicho inócuo absoluto de inutensílios úteis,
inutilidades fúteis.
Trova popular, beijos de batom no
guardanapo, cachaça no bar, arrotos de tripas gástricas, riscos gráficos,
rabiscos coronariográficos, barbarismos orais bárbaros, diarreias boçais,
vômitos anais, quinquilharias venais, versos, verborréias, prosas de vodkas da
Vó Tivica, cantadas da Gilda, chorinho da Maria do Cavaquinho, bafos de onça do
Esmaga. Escritos adornados de adereços de lambrequim, tudo isso, nada disso, banalidades,
maldades, nulidades, bosta navegando na ubiquidade.
Et verbum falicum factum est, o tesão em
riste, a porra da palavra oral, verbal, os dentes afiados, a fome de viver, imortalizar,
morrer.
E a lavra do poeta de lábia lânguido de
libido se fez carne e habitou entre nós.
– Quem sou? – Poeta. Um emaranhado
integrado tecido de células, sinapses, neurotransmissores, neons de átomos,
eléctrons, nêutrons, prótons. Um quantum orgânico de plânctons. Um caranguejo
que persevera percevejo. Uma ostra estressada encapsulando uma pedra sem valor
até se amalgamar em pérola. Um hólon íntegro
integrado do holograma.
Por falar
em poesia, poesia, em grego, significa fazer, compor. Fazer poesia, todo mundo
faz. É prosa que todo mundo faz poesia. A poesia, segundo eu, não precisa de
rima para ser poesia. Poesia não precisa escrever no prefácio nem no epitáfio
que é poesia.
A poesia in pectore não reciclável, não
recitável, dá a impressão que não é, mas é poesia.
Há poesia
na terra, no fogo, no ar, no mar, no bar.
Rimar é
como o marketing de uma marca de cerveja que diz que desce redondo, porquanto a
roda não é quadrada. Rimar é reiterar sons iguais, similares. Rimar é
uniformizar vocábulos. Rimar é vocalizar analogias.
Agora, de púlpito ao público, a homilia final:
— Ouça do meu profundo abismo os grilos,
os gritos, os lagartos, as cobras, todos os bichos. Entra
sem bater, pode vir,
a cama está arrumada, a geladeira cheia de cerveja, a pia impiedosamente limpa.
Façamos amor, não façamos a guerra.
— Poesia é
algo como um monólogo com o D’us. Sou panteísta.
Escravo da Poesia. Plagiador da Criação divina. Criança que engatinha nos
versos e anti-versos. Só D’us é Poeta, o Senhor dos Poetas.
·
José Aparecido Fiori, jornalista de Curitiba, autor de Lolita
de Curitiba , Acontecências e Textos para Ouvir.
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