Noite, e Nostrad recolhido em um canto da
sala. Sozinho, sentado numa cadeira antiga, com guardas de sustentação por todo
o canto. Cenho mostrando amargura, e um ar de convencimento. Escuta os sons
habituais de casa. Pouca gente. Não se importa. A desolação silenciosa, de sala
à parte, fechada. Ninguém de casa entra ou passa na sala, era costume. O
isolamento de sempre o deixa à vontade. Pensa, e pensa mais dessa vez. De cá,
do seu tronco, observa os livros da estante. Que significavam mais? E se lembra
que não havia terminado a leitura de Guerra e Paz... quantas vezes, havia
tentado, em vão. Que importa, agora? Noite, tenebrosa noite. Os livros sem
tempo. E sem tempo os livros da noite.
O
dia passado tinha sido normal. Não muito, considerando-se o encontro com um
pastor protestante. Anuncia-lhe, o religioso, que o fim do mundo está próximo.
Cita a Bíblia, as previsões antigas, o livro de João, e as perdições do mundo
atual. O fim está próximo, aleluia! Nostrad escuta, atento. E, por
solidariedade, diz que os sinais já não estão apenas no céu... Outra passagem
digna de nota no dia foi a observação, que fez, de um político conhecido
abraçando todo o mundo que ia encontrando. Próximas as eleições, o homem anda
de mangas de camisa pela calçada movimentada. Para, abre os braços
incontinente, e, sorrindo, cumprimenta todos, abraça, fala... Uma moça, sorridente
também, entrega panfletos, onde está, também, retrato em mangas de camisa. Só
alegria. Manhã e tarde, nada mais notório que pudesse quebrar a rotina. Apenas
isso, esses exageros.
A
noite, Nostrad está noite, e, sentado e só, vai tendo pouco a pouco agravamento
do que é. E é anoitecimento profundo. Nem saber do horário, do andamento do
tempo, nada lhe interessa mais. E nem respirar a vida, a existência ali, com
quadros de paisagem nas paredes, crianças brincando, de tonalidade azul. Mais
tarde, percebe que foram todos dormir. Poucos. Permanece, sólido, em sua
postura, dobrado na vida. Apaga a luz, alcançando o interruptor perto, sem se
levantar. É todo ficada, e as horas passam... até escutar sons conhecidos, da
madrugada. Sons por sons, não quer escutar mais. E desvia a atenção para o
pensamento de que todos dormem. Longe, tudo está muito longe. Sente frêmitos,
estacionado na cadeira. O mundo, pensa, não sabem, está estacionado na noite.
Durmam! solta a exclamação. Sente fria a língua. Admite, hermético como nunca,
que o mundo, agora, não é mais que a cadeira. E lhe parece prazeroso estar
sentado ainda sobre a cadeira. Sobre a noite e a cadeira. Espera mais, terrível
espera.
Dormentemente, bole os sapatos. Estava ainda de sapatos, como chegara da
rua. Tem um impulso à toa de querer tocar o interruptor. Mas não. A escuridão
da noite está definida... Espera. Entra em divagações. Vida, vá ao diabo!
Aposentadoria, vá ao diabo! Amigos, parentes, mortos, vão ao diabo! Há no
espaço um estalido da cadeira, escuta, recompõe-se do desespero na escuridão da
sala, decide-se pela calma, contemplar a noite que lhe resta ali. Levanta os
olhos e divisa pequena claridade entrando pela greta da janela próxima. Espera,
senta mais na cadeira o que não estivesse prostrado. Deixa cair os braços para
os lados. A claridade vem, e a noite começa a ser debelada, ali, na sala, a sua
vista. Incrível... Ah, é o sol, o sol de novo. E se levanta meio leso e
entrevado. E, ao se erguer, a cadeira range, amanhecida e livre.