O escritor e filólogo pernambucano
José Brasileiro Vilanova, na sua obra A
Literatura no Brasil Colonial, editora Universitária (UFPE), edição 1977,
informa que do ponto de vista literário o século XVIII apresenta duas fases
distintas: na primeira, predomina o academicismo inspirado no mecenatismo
oficial português; na segunda, prevalece a reação neoclássica, de oposição ao
barroquismo, representada principalmente pelos poetas do chamado “Grupo
Mineiro”.
Mais da metade desse século
caracteriza-se pelo prolongamento do espírito barroco e encontra nas Academias
Literárias sua legítima forma de expressão. Pouco importa que elas tenham tido
existência efêmera. Reunia intelectuais dissociados por atividades
profissionais diferentes, orientando as pesquisas históricas e incentivando as
produções poéticas, que evidenciam o espírito literário ainda do Brasil
colonial.
Diz a mesma fonte que as composições
em versos não vão além dos jogos de palavras, quase sempre artificiais ditadas
sobretudo pelo desejo de vanglória e bajulação, principalmente relacionadas com
figuras do status quo. Coube aos
trabalhos, nascidos do academicismo, a ampliação desses limites, abarcando a
vida política, religiosa, militar, genealógica e literária da Colônia.
“A partir da publicação das Obras Poéticas de Cláudio Manuel da
Costa, em 1768 – diz Brasileiro Vilanova - e da fundação da Arcádia Ultramarina,
é manifesta a reação neoclássica, tentativa de volta às fontes mais puras do
classicismo. Adota-se, então, nova concepção estética, em que a simplicidade e
a espontaneidade são elementos dominantes. Por isto mesmo - acrescenta - a vida
e os seus problemas já não se prestam para divagações sutis da inteligência.
Também a observação da realidade já não será usada como elemento capaz de
impressionar os sentidos ou despertar imagens sensoriais. Procura-se, ao
contrário, integrar o homem na natureza, possibilitando sua identificação com o
meio em que vive e as coisas que o cercam”.
O retorno da literatura às fontes
primitivas do classicismo explica a preferência pela poesia épica, satírica e
pelo lirismo, não raro, de sentido moralizante, praticados no Brasil na segunda
metade do século XVIII, acrescenta a mesma fonte.
Chega o tempo das Academias
Literárias, já existentes em países europeus, desde o século XV. Em Portugal,
surgiriam a partir do século XVII, destacando-se a dos Singulares, a dos Generosos e
a dos Anônimos. No Brasil colonial,
somente vão aparecer a partir do século XVIII, e tinham caráter oficial e eram
de caráter metropolitano. Despertariam o interesse pelos estudos históricos,
literários e dos problemas sociais.
A primeira Academia Literária foi
fundada na Bahia, em 1724, e recebeu a denominação de Academia Brasileira dos Esquecidos. Seu fundador foi o vice-rei
Vasco Fernandes de Menezes, o qual, “para dar a conhecer os talentos que nesta
província floresceu, e por falta de exercícios literários, estavam como
desconhecidos, determinou instituir uma academia. Durou apenas um ano e teve
como principais sócios e fundadores e coronel Sebastião da Rocha Pita, o padre
Gonçalo Soares da França, o dr. Inácio Figueiredo e Luiz de Siqueira da Gama.
Essa academia chega a planejar o estudo da história do Brasil em quatro partes:
natural, militar, eclesiástica e política.
A segunda academia teria surgido no
Rio de Janeiro, em 1736, sob a denominação de Felizes, que funcionaria até
1740. Compunha-se de trinta sócios. Também sediada no Rio de Janeiro foi a
Academia dos Seletos, em 1752, com o
objetivo expresso de homenagear Gomes Freire de Andrade, nomeado para o cargo
de Comissário e Árbitro Superintendente da Demarcação das Fronteiras do Sul.
Teve como presidente o jesuíta Francisco de Faria e era secretariada por Manuel
Tavares de Siqueira e Sá.
Outra entidade do gênero viria a ser
criada na Bahia, em 1759, a Academia Brasílica dos Acadêmicos Renascidos,
iniciativa de José Mascarenhas Pacheco Pereira de Melo. Sua organização tinha
como modelo a Academia Real da História Portuguesa. Era constituída por
quarenta sócios.
HISTORIOGRAFIA
As pesquisas histórias constituíam o
principal objetivo das academias literárias baianas. Desde os primeiros tempos,
aliás, consoante prova a contribuição dos jesuítas e dos cronistas, sempre
houve no Brasil interesse pelas observações históricas. No século XVIII, mesmo
antes de serem criadas as associações literárias, não diminuía a curiosidade
pelos assuntos sobre história, diz Brasileiro Vilanova.
A Academia
dos Esquecidos teve como principal expoente o historiador Sebastião da
Rocha Pinta, único a deixar obra impressa versando sobre Uma história da América Portuguesa, desde o seu descobrimento até o ano
de 1724. E o fez, “em decadente estilo barroco”, segundo a crítica. Outro
destaque para a Academia dos Renascidos, que teria influenciado os
historiadores do século XVIII, cujas principais publicações foram: Dissertação
sobre a história eclesiástica do Brasil, de Gonçalo Soares da França; A
história militar do Brasil, de José Mirales; Desagravos do Brasil e glórias de
Pernambuco, de Benedito Domingos de Loreto, na qual descreve pormenorizadamente
a história da capitania de Pernambuco.
Outro destaque para a obra do
pernambucano Frei Antônio de Santa Maria Jaboatão, com os títulos: Novo orbe seráfico brasílico ou crônica dos
frades menores da província do Brasil. Autor ainda de um Catálogo genealógico, o frade
franciscano não se limitou a escrever a história dos seus companheiros de
Ordem, mas incluiu no seu livro, em estilo agradável, segundo a crítica,
interessantes observações sobre a vida colonial, sem esquecer informações
locais, lendas e tradições populares.
Descendente de bandeirantes, Pedro
Taques de Almeida Pais Leme é considerado o primeiro genealogista brasileiro,
autor de importante obra nesse campo do conhecimento: Nobiliarquia paulistana, história da capitania de São Vicente;
Informações sobre as minas de São Paulo; e Notícias históricas da expulsão dos
jesuítas de São Paulo. Produziu ainda
Nobiliarquia paulistana, em que descreve as principais famílias paulistas e
os mais notáveis feitos dos bandeirantes.
Outra obra que mereceu destaque, sob o título de Memórias para a história da capitania de São Vicente, do frei
Gaspar da Madre de Deus, publicada em 1797, adotando métodos objetivos e
positivos, segundo a crítica. Também, nessa mesma linha, resgistra-se a obra
Cultura e opulência do Brasil, de André João Andreoni (Lisboa – 1791), versando
sobre as minas existentes na Colônia, do processo de fabricação do açúcar, do
plantio e beneficiamento do fumo. Fornece ainda informações sobre os
emolumentos dados pelo Brasil a Portugal. A primeira edição de Cultura e opulência do Brasil foi
sequestrada por ordem de D. João-V, sob a alegação de que o livro divulgava
todos os segredos da Colônia brasileira aos estrangeiros.
POESIA LÍRICA
Houve nesse período uma abundante
produção de poesia lírica, na segunda metade do século XVIII, porém, sem
expressão literária, conforme a crítica. A grande preocupação estava voltada
para a rima, em prejuízo de outros recursos e técnicas literárias. Exceção para
a obra: Peregrino da américa, de
Nuno Marques Pereira. A obra, dedicada ao mestre de campo Manuel Nunes Viana,
famoso chefe dos emboabas, foi publicada em 1728 e já em 1730 merecia uma
segunda edição. Houve quem visse nessa obra o primeiro romance nacional.
Afirma José Brasileiro Vilanova que
os versos concebidos em toda a primeira metade do século XVIII não possuem
expressão artística nem valor literário. O soneto de Antônio Antunes de
Menezes, dedicado a Gomes Freire de Andrade, é uma prova desse estágio:
Vossa espera, senhor, se inculca
deste
Que parece exceder de Polo, a Polo
Na cabeça se observa o mesmo Apolo,
Neste peito se admira o mesmo Marte.
Três fatos
principais distinguem, na segunda metade do século XVIII, a vida literária no
Brasil. Um deles é a influência do enciclopedismo francês, através das duas
sociedades culturais fundadas no Rio de Janeiro: a Academia Científica e a Sociedade Literária, as quais, na
realidade, reuniam mais cientistas do que literatos, conforme os registros. Instalada
sob a proteção do Marquês do Lavradio, em 1772, dedicou-se aos estudos da
medicina, física, química, história natural e agricultura.
Refere-se também
José Brasileiro Vilanova ao arcadismo que teria sido iniciado por Claudio
Manuel da Costa, com grande influência nesse período. Ele escreveu sonetos,
epicédios, epístolas e fábulas em que se admira sobretudo a perfeição formal.
Árcade na linguagem, temática e na técnica. “De todos os representantes do
chamado Grupo Mineiro, Tomás Antônio Gonzaga foi “o mavioso Dirceu, o maior
lírico”. Suas obras completas foram editadas pelo Instituto Nacional do Livro.
A epopeia é a narração, em versos, de atos
heroicos, de caráter real ou imaginário. “Depois do sucesso obtido pelos
clássicos europeus, e da repercussão de Os
Lusíadas, em Portugal, os autores brasileiros, sempre sôfregos em imitar os
literatos portugueses, não poderiam deixar de explorar o aspecto épico da
poesia. Assim, houve manifestações típicas na Colônia, devendo ser assinalados
Basílio da Gama, com o Uruguai;
Durão, com o Caramuru; e Claudio
Manuel da Costa, com Vila Rica”.
“Caramuru –
diz Brasileiro Vilanova - é um poema heroico em dez cantos de oitava rima e
versos decassílabos, no qual, os episódios mais importantes, significativos,
são demasiadamente extensos, em face da imitação camoniana”.
Enquanto o Desertor das Letras, de Silva
Alvarenga, poema heroico-cômico, teve o objetivo de elogiar a reforma
universitária pombalina, as Cartas
Chilenas, de Gonzaga, inauguram a sátira política
brasileira. Foram publicadas, pela primeira vez, em número de sete, na revista
“Minerva Brasiliense”, em 1845.
POESIA POPULAR
Finalmente, não poderia faltar o braço da poesia popular brasileira, com
Domingos Caldas Barbosa, autor de cantigas, modinhas, cantatas etc.,
colecionadas com o título de Viola de
Lereno. Foi poeta popular, improvisador ao som da viola, com temáticas
brasileiras onde não faltava o sensualismo amoroso. Os versos de Caldas Barbosa
foram publicados em Lisboa e, 1798.
Nos
comentários finais de sua obra, José Brasileiro Vilanova diz: “É costume citar
alguns nomes de autores, nos fins do século XVIII, contando-se entre eles o
dicionarista Morais, Matias Aires e Teresa Margarida, considerada a primeira
romancista brasileira. De importância real, deve ser feita referência a Antônio
Morais e Silva, que foi o primeiro brasileiro a sistematizar um Dicionário da Língua Portuguesa. O
livro tem dois volumes e sua publicação verificou-se em Lisboa, em 1789. É um
verdadeiro documento da língua nacional no século XVIII. Em 1922, comemorativo
do primeiro centenário da Independência do Brasil, foi divulgada edição
fac-similar dessa obra”.
(Manoel Neto Teixeira é autor, dentre outras, da obra Garanhuns, Álbum do Novo Milênio
(1811-2016, e membro da Academia Pernambucana de Letras Jurídicas).
E-mail: polysneto@yahoo.com.br