quarta-feira, 9 de junho de 2021

NO REMANSO DA MEMÓRIA - Luiz Gonzaga de Mattos


 







     Nas enchentes dos rios, as ramagens sobre as águas vão, mansamente, se encostando aqui e ali. Assim parece ser a memória. O tempo vai acumulando momentos em nossas vidas e, de um instante para outro, recordações vão chegando e se aninhando naquela curva chamada saudade. Se num rio o redemoinho das águas dá espaço por pouco tempo ao que chega, o atropelo do dia a dia vai limpando a curva da saudade. Ontem, sem agito nesses dias quarentenais, ocupei o tempo vendo antigos escritos e velhas fotos com personagens que sacudiram a ramagem das curvas da saudade e se mostraram vivas em minha memória.
Lembrei-me de uma “hora da saudade” com amigos de adolescência e juventude da cidade de Sengés, no interior paranaense. Como local do encontro, marcamos a cidade de Ponta Grossa para facilitar a presença da maioria do grupo. No início de maio, há oito anos, nos reunimos. Vai aqui um excerto do texto escrito após a confraternização:
     

     Assim é a saudade verdadeira. E não poderia ser diferente ao vermos nossos amigos de uma época saudosa. Por isso tudo valeu a pena nosso encontro. Momentos em que fomos transportados para outros tempos, onde a nossa preocupação não era com o amanhã. Vivíamos o hoje, curtíamos o agora e hoje sofremos com o ontem. Porque trazer a saudade no peito é estar onde não podemos estar. E isto, ao voltar à realidade, vemos que os cachos dourados dos cabelos do Jamil foram tomados pela calvície; o tapete do Tico desapareceu completamente... Assim é a vida. E essa vida nos dá satisfação quando podemos rever amigos. Daí, ao vivo, sai aquela imagem desbotada pelo tempo e ressurge com esplendor a da convivência. Como se o tempo não tivesse passado. Quando inexiste o binômio saudade-amizade é porque não havia amigo. Aí, sim, a saudade machuca. Felizmente deste mal não sofremos. Abraços a cada um de vocês que me deram o prazer deste encontro. Até o próximo!


LEVANDO A SÉRIO A PANDEMIA - João Marques


 







Mas, levando a sério, o vírus veio com sua agressividade. Não só isso, trouxe benefícios, também. Do mal, da mortandade, da fome, todo o mundo de bom senso sabe. E é a essas pessoas, de bom senso, que dirijo o comentário. E é o grande problema humano, o bom senso, maior que a pandemia, certamente. De certeza, os vetores humanos que trouxeram o vírus do Exterior, e contaminaram todo o mundo. As pessoas que, irresponsavelmente, não têm cuidado com o contágio, e andam sem máscaras e aglomeram-se. O Presidente! Esses dão testemunho evidente do atraso em que se encontra, ainda, a humanidade. As populações crescem, mas falta o espírito de coletividade, de amor ao próximo, de valorização da vida dos outros. Assim foi, assim é. E como é sabido, popularmente, que todo o mal traz um bem, falemos, aqui, de uns, os principais.

     Sabe-se, agora, que a ciência não garante solução imediata para o que possa surgir de risco no mundo. E nem há prevenção para tudo. Nem a ciência, nem os recursos técnicos alcançados, nem o dinheiro, por último. O mundo é passível de quaisquer desastres, que possam abalar a humanidade. Não há autossuficiência em termos de coletividade. Conscientização que chega como alerta aos que se propõem a conduzir a prevenção e a segurança de todos. O que falta ou faltava.

     Há de se considerar, também, entre os aspectos mais positivos, o enfrentamento. Sobretudo, a entrega dos profissionais de saúde. E muitos, arriscando a vida, pereceram heroicamente. Grande testemunho e afirmativa da vocação profissional.  E, também, considere-se outros profissionais que não arredaram o pé. Comportamentos esses, afirmativos na edificação da credibilidade humana.

     Há de se respirar, livre, amenizado o perigo da pandemia. E ficará a memória de tudo. O mal e o bem. E como de tudo na vida, das situações mais difíceis, fica sempre uma experiência benfazeja. O mundo resistiu, pelas pessoas de bom senso. E interessante é constatar que todas as pessoas foram envolvidas. Todas as classes e atividades. Daí, os mais diferentes resultados. Pessoas de bem, crápulas e oportunistas, também. Há de ser chorados os parentes, os amigos, todos que infelizmente não resistiram. Mas há de se contarem os que, de pé, triunfaram. “E assim caminha a humanidade”, como no filme, e que caminhe sempre, cá, na realidade, com a prevalência dos bons comportamentos... Sério!


quarta-feira, 2 de junho de 2021

INCURSÕES SOBRE OS 500 ANOS DE BRASIL - Manoel Neto Teixeira


 






Como jornalista e professor universitário, não tenho dúvida em recomendar a leitura do livro História do BRASIL (para ocupados), editora Leya Brasil-SP, edição 2020. Organizado pelo escritor e editor Luciano Figueiredo, a obra compõe-se de 70 ensaios assinados por historiadores e pesquisadores de reconhecida capacidade, versando sobre os vários aspectos que permeiam a nossa História, nas suas dimensões territoriais, antropológicas, econômicas, sociopolíticas e culturais. O Brasil Colônia, Império e República, portanto 500 anos de embates e caminhadas.

Diferente da maioria das publicações, concebidas de forma quase sempre monocrática, História do BRASIL (para ocupados) compõe-se de seis capítulos na seguinte ordem: 1 – Pátria descoberta; 2 – Fé e a ordem cristã; 3 – Poder; 4 – Povo; 5 – Guerra; 6 – Construtores.

A leitura dessa obra corrige falhas, omissões e lacunas da História oficial, ministrada nas escolas, de canto a canto do país, por professores (as), quase sempre leigos, que se limitam a transmitir as lições dos livros didáticos concebidos sob a ótica dos “vencedores”, conforme assinala o jurisconsulto Raimundo Faoro, no seu clássico Os Donos do Poder.

 A obra desdobra-se na seguinte ordem, com os títulos e respectivos autores:

DESCOBERTAS: Quem descobriu o Brasil – Joaquim Romero de Magalhães; O nome Brasil – Laura de Mello e Souza (pgs. 16 a 21).

ENTRE BÁRBAROS: Canibais e corsários: canibalismo para alemão ver – Rinald Raminelli; Bandeiras indígenas – John Monteiro; Invasão francesa – Maria Fernanda Bicalho (pgs.  29 a 41).

O TRÁFEGO NEGREIRO: Sem Angola não há Brasil – Luiz Felipe de Alencastro; Traficante chachá – Alberto da Costa e Silva (pgs. 46 a 50).

ÁFRICA NO BRASIL: Os mistérios da rosa – Luiz Mott; Candoblé para todos – João José Reis; Capoeira mata um – Carlos Eugênio Líbano (pgs. 56 a 73).

AMAZÔNIA E FANTASIA: Nasce a Amazônia – Rafael Chambouleyron; Louco, aventureiro e místico – Chris Burden (pgs. 81 a 86).

FÉ – A ORDEM CRISTÃ: Exércitos de Cristo – Ronaldo Vainfas; Compromisso entre irmãos – Caio Boshi (pgs. 98 a 103).

SANTOS E SANTAS: Santo Guerreiro – Georgina Silva dos Santos; Santa e Padroeira – Juliana Beatriz Almeida de Sara; Salve Anastácia - Mônica Dias de Souza (pgs. 109 a 119).

DEMÔNIOS E TUMBAS: Vade retro – Marcia Moisés Ribeiro; Feitiços e feiticeiros – Daniella Bruno Calainho (pgs. 133 a 137).

MISTÉRIOS E CONCILIAÇÃO: Maçonaria na luta – Marco Morel; Kardec entre nós – Emerson Giumbelli (pgs. 133 a 128).

PODER – INVESTIMENTOS E CAPITAIS:  Civilização de açúcar – Ana Maria da Silva Moura; Ouro de tolo – Ângelo Carrara; Ciclo do café – Sheila de Castro Faria (pgs.146 a 157).

NOVA ORDEM, VELHOS PACTOS: Além do café com leite – Claudia M. R. Viscardi; O que querem os tenentes? – Marieta de Moraes Ferreira; Mudança de comando – Marly de Almeida Gomes Viana (pgs. 165 a 177).

FASCISMO VERDE-AMARELO: Segurança nacional – Maria Luiza Tucci Carneiro; Nazismo tropical – René E. Gestz (pgs. 181 a 187).

GOLPE MILITAR, VIOLÊNCIA E EXCLUSÃO: Nos porões  do Estado Novo – José Murilo de Carvalho; 1964: golpe militar ou civil? – Daniel Aarão Reis; 1968: um ano chave – Lucilia de Almeida Neves Delgado (pgs. 192 a 202).

POVO: D. JOÃO DE PASSAGEM: Todos a bordo! – Lília Moritz Schwarez; Qie rei sou eu? – Lúcia Maria Bastos P. Neves e Guilherme Pereira das Neves; Sempre Carlota – Francisca Nogueira de Azevedo (pgs. 210 a 225).

D. PEDRO-I, ARDENTE e CORTESÃO: O indiscreto “demonão” – Mary Del Priore; Leopoldina, a austríaca que amava o Brasil – Clóvis Bulcão (pgs. 231 a 235).

D. PEDRO-II e a ULTIMA CORTE: A República de Dom Pedro-II – José Murilo de Carvalho; O reinado de Isabel – Robert Daibert Júnior (pgs. 244 a 247).

O MAU LADRÃO: Ficha suja – Eduardo Bueno; A arte da subtração – Ronaldo Vainfas; Basta de corrupção – José Murilo de Carvalho (pgs. 253 a 263).

SEXUALIDADES MESTIÇAS: “Não existe pecado do lado de baixo do Equador” – Ronaldo Vainfas; Santo ofício da homofobia – Luiz Mott; Um caldeirão de amores – Mary Del Priore (pgs. 269 a 284).

HUMORES E SABORES: Pinga da boa – Luciano Figueiredo; Sabores da colônia – Paula Pinto e Silva (pgs.288 a 294).

GUERRA: OPRESSÃO COLONIAL: Índios, hereges e rebeldes – Ronaldo Vainfas; Fim de jogo em Guararapes – Rômulo Luiz Xavier do Nascimento; Pobres, rudes e ameaçadores – Laura de Mello e Souza; Quilombo de um novo tipo – João José Resi (pgs. 302 a 318).

SANGUE NAS PROVÍNCIAS: A Bahia pela liberdade – Hendrik Kraay; Farrapos com a faca na bota – Sandra Jatahi Pesavento; Insurreição praeira – Marcos de Carvalho; A Guerra de Canudos à sombra da República – Jacqueline Hermann (pgs. 325 a 340).

ABOLIÇÃO E A REPÚBLICA DESIGUAL: Flores da liberdade – Eduardo Silva; O povo contra a vacina – José Murilo de Carvalho; Abaixo a chibata – Marco Morel (pgs. 347 a 359).

GUERRA NA AMÉRICA E NA EUROPA: Paraguai: guerra maldita – Francisco Doratioto Nas trincheiras contra Hítler – Luis Felipe da Silva Neves (pgs. 363 a 369).

CONSTRUTORES ENTRE DOIS MUNDOS: Maurício do Brasil – Evaldo Cabral de Mello; Chica da silva além do mito – Júnia Ferreira Furtado; José Bonifácio inconformado – Ana Cristina Araújo (pgs. 376 a 388).

GUARDIÕES: Maria Quitéria vai à guerra – Patrícina Valim; Osório em toda a parte – Francisco Doratioto; Quem desenhou o Brasil – Rubens Recúpero; Fé na taba – LorelaiKury (pgs. 393 a 408).

A PALAVRA E O GESTO: Muitos Gregórios – João Adolfo Hansen; Machado entre letras e números – Gustavo Franco; Coma palavra, Lima Barreto – Beatriz Resende (pgs. 414 a 426).

INVENTORES: Oswald à vista – Renato Cordeiro Gomes; A invenção da MPB – João Máximo; “O meu pai era paulista”... – Francisco Alambert (pgs. 431 a 447).

LIDERANÇAS: Vargas exemplar – Ângela de Castro; Um presidente bossa nova – Marly Motta (pgs. 454 a 460).

SONHADORES: Palavra de Tiradentes – Tarcísio de Souza Gaspar; O marinheiro e seus bordados – José Murilo de Carvalho; O herói da floresta – Kenneth Maxwell (pgs. 466 a 476).

Faço minhas as palavras do organizador e editor dessa obra, Luciano Figueiredo, em um dos tópicos da sua Apresentação, por sintetizar a sua abrangência e conteúdo:

“A forma inovadora de abordar o passado neste livro combina com essa vivência contemporânea ao oferecer uma visão à História do Brasil arranjada como um caleidoscópio. Cerca de setenta brilhantes historiadores contam passagens singulares da formação do país, resgatando os grandes acontecimentos e passagens, trazendo à tona dramas coletivos e individuais com enorme conhecimento de causa e muita sensibilidade. Tudo isso em uma leitura prazerosa, com que se esmiuçam detalhes pitorescos e fatos curiosos. Nada daquela impostação professoral, nada de jargões ou trechos indecifráveis”.

Para entendermos melhor o Brasil de hoje, urge uma volta às últimas décadas do século XIX (fim da escravidão e do Império) e à primeira do século XX, já na República, com a leitura de História do BRASIL (para ocupados), precisamente o ensaio “O povo contra a vacina”, do escritor José Murilo de Carvalho, às pgs. 352 a 358.

Rio de Janeiro, então com seus 800 mil habitantes, era tomada pelos vírus da febre amarela, peste bubônica, tuberculose, malária, tifo e outras enfermidades, a fazerem milhares de vítimas. O então presidente da República, Rodrigues Alves, convoca o sanitarista Oswaldo Cruz, a quem incumbe criar as condições para livrar a população dessas moléstias. Surge daí a vacina contra a febre amarela e o Governo decreta a obrigatoriedade da vacinação para todos. Surge incontinenti fortes reações contrárias, com passeatas e toda sorte de reações contrárias, mexendo inclusive com as Forças Armadas. A intensidade das reações contrárias à vacinação levou o presidente Rodrigues Alves a decretar “Estado de Sítio”.  

Leitura que recomendo, repito, aos três níveis de ensino e a quantos precisam e gostariam de saber mais e melhor sobre a História desse gigante chamado Brasil.

(Manoel Neto Teixeira, jornalista e escritor, é membro, dentre outras, da Academia Pernambucana de Letras Jurídicas – cadeira 44). E-mail: polysneto@yahoo.com.br


quarta-feira, 26 de maio de 2021

O Corredor - Ulisses Pereira - Médico


 







Este não é um conto feliz. O corredor estava deserto. Quem conhece ou simplesmente já viu, sabe como é em um hospital, tem uma hora que tudo cessa. Há pouco movimento. Mesmo assim, ouve-se sons. Um carrinho é arrastado, uma ampola de vidro é quebrada, um bip insiste em disparar, uma cadeira arranha o chão, um motor é ligado... e uma janela que não foi fechada, pode bater.

 

Pela porta entreaberta de um quarto na penumbra, um homem está sobre um leito, dormindo. Próximo, numa poltrona, um moço vela o sono do idoso e contempla sua face. O doente, no leito, é só uma sombra do que fora. Seus cabelos ralos quase não existem mais, pelo tempo e pela ação das sucessivas sessões de quimioterapia. O rosto magro emoldura os grandes olhos cerrados. As olheiras são acentuadas. Atualmente, ele mal enxerga. Está barbeado. Este é um cuidado do jovem ao lado. As sobrancelhas levemente arqueadas e a testa vincada pelo tempo e pelas dores. Emagrecido e descorado. Nos braços, os hematomas violáceos das punções e a púrpura senil. As mãos são longas e aristocráticas. E ele as amava. Escrevia muito. Dissera que aprendeu a ler e escrever aos três anos de idade. A mão direita livre, sob um pequeno travesseiro, é segurada pelo homem jovem, um tipo alto, queimado de sol. Forte, tinha uma barba densa, aparada. O cabelo escuro e os olhos castanhos completavam a bonita figura. Velava o sono débil do idoso, que pedira pra não ser reanimado. Ele compreendia bem o significado da expressão "fora do protocolo de tratamento". Não queria para si as medidas fúteis. Na madrugada, abriu os olhos e disse baixinho: “não verei mais o próximo dia, sinto muito frio”. O moço acendeu a luz da cabeceira. Puxou a manta aveludada. Checou as meias e os pés. Abaixou a cabeça e beijou seu amigo na face e na fronte. Ele tocou a sua barba.  O cuidador se debruçou, com muito zelo, sobre o ancião e o abraçou. Lembrou dos tantos anos, nos quais o amigo e hoje também, seu mestre, fizera o mesmo. Ele o salvara de si mesmo, tantas vezes. Quanta coisa ele devia àquele homem! Então, sentiu a mão cair ao lado do corpo e o seu valente coração parar. Sem poder fazer nada, trouxe as mãos dele até o seu peito. Beijou-as, seguidamente, bem como sua face. As lágrimas vieram quentes.  O quarto estava mais frio. Ele ficou ali debruçado sobre o maior de seus poucos amigos. O bipe agora disparava no monitor, quebrando o silêncio. As enfermeiras entraram rápido, o carrinho foi arrastado, um médico de óculos grossos entrou, um segurança se pôs a porta. Tiraram o jovem dali. Ele, então, se viu olhando pela janela esquecida aberta, onde os primeiros raios de sol se levantavam no nascente. Os passarinhos acordavam nas árvores do pátio e cantavam. Soprava uma brisa perfumada de um pé de jasmim em flor. Ele respirou fundo e seguiu caminhando pelo corredor, finalmente compreendera o verdadeiro significado de amizade e amor. Ele os tivera, até aquele dia.

PS. Eu avisei, que era um conto triste!

 

Garanhuns-PE, madrugada de 24 de maio de 2021.


terça-feira, 18 de maio de 2021

FIM DO JORNAL IMPRESSO - Manoel Neto Teixeira

 








Uma das invenções mais significativas e abrangentes da história da humanidade foi sem dúvida a imprensa tipográfica, pelas mãos do sábio alemão Johann Gutenberg, década de 1430, assinalando a passagem da Idade Média para a Idade Moderna.

Com a invenção dos tipos móveis surge a máquina tipográfica (impressora) e daí a reprodução da palavra, frases e textos em forma de livros, sendo a bíblia o primeiro a ser impresso, conforme os registros. A invenção de Gutenberg foi tão revolucionária que só pode ser comparada ao surgimento agora do computador e da reprodução digital da escrita, na opinião de estudiosos da matéria.

A invenção da imprensa foi utilizada como ferramenta básica nas transformações que marcariam o Renascimento, nos seus múltiplos aspectos, lastreando a passagem para a modernidade.

Além da impressão do texto bíblico, tal como o conhecemos até hoje, a imprensa foi utilizada como meio para a Reforma Protestante, no século XVI. Verdadeira revolução no terreno da escrita e da leitura, com a produção de textos diversos, motivando o confronto de ideias e concepções sobre o universo e a vida – vegetal e animal (onde se inclui o homem como ser racional).

A escrita até então restringia-se a modos de réplica muito limitados, como as tabuinhas com escrita cuneiforme dos povos sumérios, os papiros egípcios, os ideogramas chineses, entre outras formas de reprodução, cujo acesso era restrito a pequenos grupos de pessoas, geralmente ligadas aos palácios imperiais.

Fazia-se um molde com os caracteres móveis e, a partir dele, imprimiam-se quantas cópias o estoque de tinta, à base de óleo, suportasse. O nome que passou a ser dado ao conjunto de papeis impressos em caracteres móveis foi códice, do Latim, códex.

 Com as máquinas de impressão tipográficas tivemos a proliferação de periódicos – jornais, revistas, livros e tantos outros impressos, ensejando o surgimento de atividades e profissões – gráficos, jornalistas, editores, revisores, tipógrafos, em todos os recantos do planeta. Passam os periódicos a ser instrumentos indispensáveis aos regimes políticos em geral, de modo especial às democracias representativas, como é o caso do Brasil.

A imprensa é classificada como “o quarto poder”, ao lado do Executivo, Legislativo e Judiciário, conforme ocorre em todos os regimes democráticos. É imensurável a sua contribuição ao desenvolvimento das relações sociais, das ciências, das artes, da literatura e demais formas de comunicação entre os povos.

Mas a inventividade do homem não tem limites, eis que de tempos em tempos vão surgindo novas técnicas e instrumentos de comunicação e de produção nos diversos setores de atividades, dos campos às cidades, acrescentando, quando não suprimindo, antigas práticas. Assistimos, agora, melancólica e tristemente, ao fim dos jornais impressos, de canto a canto do país, dando vez à comunicação eletrônica, com a informática e a internet.

Após concluir os estudos básicos e o segundo ciclo (Clássico) no Diocesano de Garanhuns, 1965, ano do cinquentenário do nosso “Gigante da Praça da Bandeira”, como era por todos – alunos e professores – proclamado esse educandário, dirigido por 44 anos ininterruptos por Mons. Adelmar da Mota Valença, transferi-me para o Recife a fim de realizar meus estudos universitários. Era 1966, quando fiz o vestibular para a Faculdade de Jornalismo da Universidade Católica. Ao mesmo tempo, submeti-me a um “teste” para atuar como repórter do Diário de Pernambuco, pelas mão e olhar atento do diretor, jornalista Antônio Camelo (de saudosa memória).

Feliz início, para mim, pois levava a cabo o estudo teórico na Faculdade e a prática no meu dia a dia de repórter do DP. Conclui Jornalismo em 1968, naquela turma de tantos amigos e companheiros como Jones Figueiredo Alves, Marcílio Viana Luna, Antônio Martins, Jones Melo, padres Florisval e Hildebrando, entre outros. A secretária da Faculdade, à época, Wânia Nóbrega, jovem de apenas 15 anos, hoje, por ironia do destino, minha companheira.

A profissão de jornalista no Brasil só veio a ser regulamentada em 1969. Até aí podia-se trabalhar nas redações dos jornais e revistas sem o diploma universitário. Pois bem, desde então me acostumei a ler jornal impresso como a primeira atividade do dia, principalmente o velho/novo DP, conferindo o tratamento que o editor havia dado, dia anterior, aos meus textos (notícias e reportagens). Agora, órfão dessa leitura, tenho que conviver e me inserir às novas formas (online) de leitura. O fim dos jornais impressos no Brasil segue um imperativo capitalista, além, claro, da força transformadora da internet.

Para mim, a morte (anunciada) concretizou-se na manhã daquele sábado da última semana de abril de 2021, quando me dirigi à banca para adquirir o jornal impresso e recebi a triste notícia de que os jornais impressos (Diário de Pernambuco, Jornal do Commercio e Folha de Pernambuco) saíram definitivamente de circulação.

Tenho, pois, motivos pessoais para fazer este registro, meu desencanto com o fim dos jornais impressos: ainda adolescente em Garanhuns já experimentava o fascínio de ver, nas oficinas do jornal O MONITOR, do qual me tornaria colaborador, apesar da pouca idade, o manuseio dos tipos móveis na formação de cada palavra, frases e parágrafos, compondo as notícias, reportagens e artigos dos profissionais e colaboradores desse veículo. Sensação que se ampliaria ao me transferir para o Recife e iniciar minhas atividades de repórter do DIÁRIO DE PERNAMBUCO, início de 1967.

O parque gráfico do DP ocupava todo o primeiro andar do histórico prédio da Praça da Independência (Pracinha). Quantas vezes lá comparecíamos para dirimir dúvidas sobre esse ou aquele texto, preparados por cada profissional, na redação (ocupávamos todo o segundo andar do edifício), sob a supervisão dos editores. Foram 20 anos (1967/87) de militância como repórter, revisor de originais e editor de texto do DP, certamente minha principal “academia” como trabalhador da comunicação social. Tempo inesquecível: o companheirismo, amizades, aprendizagens, sonhos e emoções, divididos/somados com nomes de expressão do jornalismo e da própria cultura pernambucana.

Qual não era a emoção ao manusear cada edição, que começava a circular em plena madrugada do novo dia, trazendo nossas matérias e dos companheiros, bem como as que chegavam através das agências de notícias, nacionais e internacionais, os telégrafos. Impressas em cada edição do nosso DP, o mais antigo em circulação da América Latina (07-09-1825). Esquecer tudo isso não é fácil, com todo respeito às novas ferramentas. Década de 80, vivenciamos a mudança das linotipos para o offset. Mas agora, tudo é diferente, do texto impresso para a leitura online. Não é fácil acostumar.

                        (Manoel Neto Teixeira, autor, dentre outras publicações, da coleção MULTIVISÃO, com VIII volumes, é membro da Academia Pernambucana de Letras Jurídicas). E-mail: polysneto@yahoo.com.br

quarta-feira, 5 de maio de 2021

Mensagem - João Marques


Neile Barros, a morte não está com o vírus. Você está livre da pandemia, e da morte. Vírus e morte são passageiros, somem-se. Você, sim, você está. Permita que enxuque a sua lágrima, é natural. E faço isso, com o lenço branco que tiro à eternidade. Ouça, escute o que dizem de você... a sua beleza, a da alma! Como você é bonita, Neile Barros! Olhe em volta, as flores, essas dos jardins de Garanhuns, que tantas vezes você viu... o seu caminho está forrado com as pétalas dos orvalhos desta manhã de seu passamento. Acredite! Veja essa mão que se estende ao seu lado, para conduzi-la a Garanhuns real, que você desejou, e por que tanto trabalhou. Os seus amigos, os familiares choram - e têm por que chorar. Você, Neile Barros, você se encontra... deixe que lhe enxugue a lágima! Essa mão é do grande amigo que acompanha sempre os que choram.

Vá, acompanhe-o, sorrindo. Seja Feliz!


 

segunda-feira, 3 de maio de 2021

Frenesi - Raquel Felix


 






Quando fecho os olhos

Mergulho em uma infinita escuridão,

Com lampejos cintilantes e um clarão,

Fragmentados em pontos microscópicos.

 

 A luz e as trevas aparecem

E são atraídas pela força invisível

Que as une em uma dança seduzível 

Aos olhos fechados dos que semi dormem.

 

 Esse frenesi que embora parece loucura

Causa prazer a minha mente conturbada,

Inebriada em uma inesperada

Sensação insana de grandeza.

 

 Essa sensação de ser  astronauta

E ao mesmo tempo ser astro

Contemplando e sendo o espaço 

Faz emergir das profundezas o vácuo:

 

 O inexplicável, a escuridão do desconhecido,

Os mistérios que a mente não consegue alcançar.

Mas que a imaginação tenta explicar

Com toda sua insólita forma de ver o mundo.

 

Dentro desse universo reservado 

Unifica-se a imaginada matéria 

Em forma particular e etérea

Como os astros e o universo.

 

Até que em um instante 

De desconexão de pensamento

Divago em um estado onírico 

Onde tudo cria vida e depois escurece.